domingo, 9 de dezembro de 2007

Tarântulas - um conto do Mestre Juarez Guedes Cruz

- O senhor acredita, Meretíssimo, que uma frase pode destruir a vida de um homem? Pois eu acredito e adianto que isso aconteceu comigo. Eu vivia de uma pensão desde os meus trinta e cinco anos, por causa do acidente que deixou essa mão esfacelada e o rosto deformado, como o senhor pode ver. Tornei-me um sujeito solitário. Passava quase todo o tempo nos cinemas, mais para me esconder do dia e das pessoas. E em livrarias, nos sebos principalmente. Buscava algo que desse um rumo para a existência. Procurava textos de religião ou do tipo ajuda-te a ti mesmo. Em fevereiro do ano passado, folheando livros ao acaso, encontrei um volume de contos eróticos. O azar é que abri em uma página onde havia um conto de uma só frase, intitulado Carícia perfeita. Foi escrito por uma jornalista cujo nome não recordo... o sobrenome era Shua. Pois ela teve a capacidade de escrever assim: Não há carícia mais perfeita do que o leve roçar de uma mão de oito dedos, afirmam aqueles que, ao invés de escolher uma mulher, optam por entrar, sós e nus, no Quarto das Aranhas. Quando terminei de ler essas palavras, senti um soco na barriga e elas não me saíram mais do pensamento. Eu me via na situação que a desgraçada inventou, sei lá de que jeito, na cabeça dela. Imaginava-me nu, entrando em um quarto escuro, sabendo que, lá dentro, estavam as aranhas. Aí eu me deitava - tudo isso na minha imaginação, Meretíssimo -, me deitava e elas começavam a caminhar por cima do meu corpo. Sentia cócegas, aquele roçar das patas na pele. Pensava que uma delas poderia me envenenar e imaginar tal coisa era muito excitante. Eu gozava sem ter que me tocar. O problema é que essa visão não me largou mais e me desinteressei por sexo normal. Normal? Isso de um homem e uma mulher fazendo aquelas coisas que, perdoe a intromissão, o Meretíssimo deve fazer com sua esposa. Porque não acredito que na cabeça do Meretíssimo e de sua senhora passem idéias parecidas com as que andam pela minha cabeça. Comecei a me assustar comigo mesmo e procurei um médico. Na consulta, ele me mostrou o livro de um cientista alemão, Krafft-Ebing, sobre perversões sexuais. Falava de coisas tão horríveis que sua primeira edição teve que ser em latim, para que só os doutores pudessem ler. Isso porque, imagino, a cabeça dos doutores não deve, ou pelo menos não deveria, ser influenciada por essas baixezas. Mas saber desse livro não adiantou nada. Tem duzentos e trinta e oito casos de taras de tudo que é tipo mas em nenhum aparece isso de o sujeito ficar se imaginando acariciado por aranhas. E mais raiva me deu da mulherzinha que pensou logo uma coisa assim. E me fez pensar, eu que toda vida fui um cara supernormal e direito. Dei, então, de ver filmes como O colecionador, Ata-me, Estranha obsessão e outros do gênero. No início, achava que era para me satisfazer com as cenas. Ficava me enxergando trancado com uma mulher que, ao mesmo tempo, me desejasse e odiasse. Inventava que o quarto estava cheio de facas e eu ali, sem saber se ela iria me amar ou matar. Então, Meretíssimo, começou a acontecer aquilo que me apavorou: pensei em seqüestrar uma mulher e fechá-la em uma peça escura. Depois entrar alí, só e nu, e me deitar perto dela, sabendo-a revoltada comigo. Só então compreendi: os filmes serviam para organizar melhor meu plano. Por isso estou aqui: para pedir que não permita uma loucura dessas. Sinto-me mais um animal, desses loucos furiosos, do que um ser humano. E o melhor é eu ficar trancafiado numa cela. Para quem tem pensamentos como os meus, Excelência, a cabeça já é uma cela. Só não me mande para um lugar escuro e pequeno, porque aí eu fico com medo das aranhas que aquela infeliz imaginou para enlouquecer minha cabeça. Eu lhe peço, Meretíssimo, me condene e me vigie. Antes que eu magoe alguém. E não se preocupe: eu só tranquei sua mulher e sua filha no banheiro para que a gente pudesse conversar em paz. Agora que o senhor me ouviu, pode soltá-las e até ficar com o revólver. Mas, por favor, não fique me olhando assim, com esses múltiplos olhos de Juiz. Tenha piedade, Meretíssimo, não me toque com essa sua pata enorme. Peluda.

2 comentários:

miss_lioncourt disse...

Nossa! Que máximo! Estranho e bizarro é que a cor das minhas unhas quase se misturam com a cor do teu blog.
Odeio aranhas.
besos

Paulo Vinicius disse...

Arrepiei, adorei.
Sabe que na escola, na época do colegial eu e meus amigos ficavamos imaginando estórias das mais bizarras envolvendo sexo, imaginavamos detalhes, as vezes perdíamos(ou ganhavamos)algumas aulas com isso. Depois, na faculdade, eu parei... pelo menos com os amigos, agora tenho que me contentar em imaginar sozinho.