sábado, 15 de dezembro de 2007

perigo iminente

Há dias em que me sinto prestes a espirrar, segurando uma xícara cheia de café quente.

segunda-feira, 10 de dezembro de 2007

quase outro

Estou. Nada me é conhecido, apenas sinto a presença do mundo. Não ao meu redor, pois não conheço os meus limites para definir o entorno, mas a presença do mundo em mim. O número de possibilidades para o que irei me tornar é infinito, mas o infinito é deveras imenso para ser pensado, além do que ainda não sei o que é pensar. Consigo diferenciar pequenas variações de ritmo e freqüência de um palpitar, e algo frio que me percorre e depois me abandona. Um dia aprenderei que isto são meus batimentos cardíacos e o ar que circula por meus pulmões. As vezes é dolorido, e então, quando cessa a dor, é agradável. Começo um exercício de controle para poder experimentar de novo a sensação.
...
É um calor e uma umidade que se misturam com algo mais, não sei dizer. Parece com quando inspiro o ar, mas tem uma consistência diferente, e parece também ser uma área diferente que me afeta.
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Estou me alimentando, e o líquido que chega ao meu estômago me aquece e conforta, ao mesmo tempo em que agonizo com a quantidade excessiva que as vezes me faz engasgar. Quando a agonia cessa, tenho alívio. Mas dessa vez foi um pouco melhor do que alívio, pois suportei uma aflição por segundos a mais, e então, quando pude livrar-me dela, foi bom. Foi bom... Vou tentar repetir isto, mas farei com que seja ainda mais prazeroso. Quanto mais tempo espero para descarregar essa intensidade, mais prazer tenho na descarga, seja lá o que for isto... Eis minha razão de viver. Dá um pouco de trabalho, mas acho que vale a pena.
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Entretanto, esta manhã estive tentando fazer aquilo de novo, mas por algum motivo não funcionou. Suportei a fome por tanto tempo que, quando finalmente fiz surgir o alimento, já estava sem vontade. Na verdade não queria ingerir isto agora, por que está aqui em minha boca? Fecho-me e faço tudo desaparecer. Contraio a mandíbula, contraio-me tanto quanto posso, mas continua lá, fora da hora do meu desejo. É algo que posso sentir em minha pele, algo que posso inalar, ver, escutar. Começo a desconfiar de algo terrível e realmente assustador...
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Eu sou certeza, nunca sou dúvida. Mesmo sem saber o que significam tais conceitos. Sou assim porque nada me falta. Mas aquela desconfiança... É como uma coceira. É uma quase percepção - quase, porque já a tive, mas não completamente, e ela me assombra de tal forma que prefiro pensar que não a tive: Haverá algo aqui que não esteja sob meu domínio? Alguma força que não se produza pela minha vontade e ação espontânea? Haverá em mim, que sou o próprio universo, algo que seja um não-eu, um... Outro?

domingo, 9 de dezembro de 2007

Tarântulas - um conto do Mestre Juarez Guedes Cruz

- O senhor acredita, Meretíssimo, que uma frase pode destruir a vida de um homem? Pois eu acredito e adianto que isso aconteceu comigo. Eu vivia de uma pensão desde os meus trinta e cinco anos, por causa do acidente que deixou essa mão esfacelada e o rosto deformado, como o senhor pode ver. Tornei-me um sujeito solitário. Passava quase todo o tempo nos cinemas, mais para me esconder do dia e das pessoas. E em livrarias, nos sebos principalmente. Buscava algo que desse um rumo para a existência. Procurava textos de religião ou do tipo ajuda-te a ti mesmo. Em fevereiro do ano passado, folheando livros ao acaso, encontrei um volume de contos eróticos. O azar é que abri em uma página onde havia um conto de uma só frase, intitulado Carícia perfeita. Foi escrito por uma jornalista cujo nome não recordo... o sobrenome era Shua. Pois ela teve a capacidade de escrever assim: Não há carícia mais perfeita do que o leve roçar de uma mão de oito dedos, afirmam aqueles que, ao invés de escolher uma mulher, optam por entrar, sós e nus, no Quarto das Aranhas. Quando terminei de ler essas palavras, senti um soco na barriga e elas não me saíram mais do pensamento. Eu me via na situação que a desgraçada inventou, sei lá de que jeito, na cabeça dela. Imaginava-me nu, entrando em um quarto escuro, sabendo que, lá dentro, estavam as aranhas. Aí eu me deitava - tudo isso na minha imaginação, Meretíssimo -, me deitava e elas começavam a caminhar por cima do meu corpo. Sentia cócegas, aquele roçar das patas na pele. Pensava que uma delas poderia me envenenar e imaginar tal coisa era muito excitante. Eu gozava sem ter que me tocar. O problema é que essa visão não me largou mais e me desinteressei por sexo normal. Normal? Isso de um homem e uma mulher fazendo aquelas coisas que, perdoe a intromissão, o Meretíssimo deve fazer com sua esposa. Porque não acredito que na cabeça do Meretíssimo e de sua senhora passem idéias parecidas com as que andam pela minha cabeça. Comecei a me assustar comigo mesmo e procurei um médico. Na consulta, ele me mostrou o livro de um cientista alemão, Krafft-Ebing, sobre perversões sexuais. Falava de coisas tão horríveis que sua primeira edição teve que ser em latim, para que só os doutores pudessem ler. Isso porque, imagino, a cabeça dos doutores não deve, ou pelo menos não deveria, ser influenciada por essas baixezas. Mas saber desse livro não adiantou nada. Tem duzentos e trinta e oito casos de taras de tudo que é tipo mas em nenhum aparece isso de o sujeito ficar se imaginando acariciado por aranhas. E mais raiva me deu da mulherzinha que pensou logo uma coisa assim. E me fez pensar, eu que toda vida fui um cara supernormal e direito. Dei, então, de ver filmes como O colecionador, Ata-me, Estranha obsessão e outros do gênero. No início, achava que era para me satisfazer com as cenas. Ficava me enxergando trancado com uma mulher que, ao mesmo tempo, me desejasse e odiasse. Inventava que o quarto estava cheio de facas e eu ali, sem saber se ela iria me amar ou matar. Então, Meretíssimo, começou a acontecer aquilo que me apavorou: pensei em seqüestrar uma mulher e fechá-la em uma peça escura. Depois entrar alí, só e nu, e me deitar perto dela, sabendo-a revoltada comigo. Só então compreendi: os filmes serviam para organizar melhor meu plano. Por isso estou aqui: para pedir que não permita uma loucura dessas. Sinto-me mais um animal, desses loucos furiosos, do que um ser humano. E o melhor é eu ficar trancafiado numa cela. Para quem tem pensamentos como os meus, Excelência, a cabeça já é uma cela. Só não me mande para um lugar escuro e pequeno, porque aí eu fico com medo das aranhas que aquela infeliz imaginou para enlouquecer minha cabeça. Eu lhe peço, Meretíssimo, me condene e me vigie. Antes que eu magoe alguém. E não se preocupe: eu só tranquei sua mulher e sua filha no banheiro para que a gente pudesse conversar em paz. Agora que o senhor me ouviu, pode soltá-las e até ficar com o revólver. Mas, por favor, não fique me olhando assim, com esses múltiplos olhos de Juiz. Tenha piedade, Meretíssimo, não me toque com essa sua pata enorme. Peluda.

quinta-feira, 6 de dezembro de 2007

crianças

- Mamãe, Deus fez a gente com as frestas dos olhos prá gente poder espiar o lado de fora, mas como se faz prá olhar prá dentro?

sexta-feira, 30 de novembro de 2007

silêncio...

Estou tentando ouvir meu coração.

terça-feira, 27 de novembro de 2007

Life is tasty!

Hoje me disseram que a origem da palavra sabedoria vem de um derivado de sapor (sabor, em latim), que é a expressão sapere, que quer dizer provar, saborear. Diferente do conhecimento teórico, a sabedoria pressupõe experiência. É preciso saborear a vida.
Reminiscências das minhas aulas de latim:
"Dulcîa non merûit qui non gustavit amara." (Não merece o doce quem não experiemntou o amargo)
A etimologia tem seus encantos...

segunda-feira, 26 de novembro de 2007

...

Branca dose de despertar, sintética semente de claridade, promessa de paz que circula em minhas veias, para onde estou indo agora? Que continente é este para onde me devolves, que terra úmida é esta sob meus pés alados? Terei de reaprender tudo, é verdade. Sempre fui aquela a regar erva-daninha e a olhar com desprezo para os lírios que, tão exigentes, só florescem sob condições ideais.
Quero saber se existe vida após a vida. Se depois de muito labor, ao comemorar minha colheita me embebedando de alegrias e gozos e glórias ainda acharei o caminho desse exílio dos meus pensamentos, onde me atiro como de um trampolim na garganta dos meus pesadelos e deixo transbordar as falas dos fantasmas que, sem procurá-las, me encontram.
Não quero boas idéias, mas a experiência. Sem me abandonar a ela tudo é falso artifício, frágil tessitura de engodos e enfeites para agradar aos olhos dos famintos de alma. Não quero ludibriar meus sentidos com fantasias copiadas de folhetins. Se preciso for, estarei em carne viva, buscando sempre me tornar aquilo que temo, que seja este então o meu compromisso, este o meu respiro, este o meu lugar à sombra...

domingo, 25 de novembro de 2007

Blindex

Sou séria, muito séria. Tudo que vai ouvir de mim é muito coerente, apropriado e pertinente. Nem doeu e eu nem queria mesmo...

quinta-feira, 22 de novembro de 2007

Bendita Clarice

Estou sentindo uma clareza tão grande que me anula como pessoa atual e comum: é uma lucidez vazia, como explicar? Assim como um cálculo matemático perfeito do qual, no entanto, não se precise. Estou por assim dizer vendo claramente o vazio. E nem entendo aquilo que entendo: pois estou infinitamente maior que eu mesma, e não me alcanço. Além do que: que faço dessa lucidez? Sei também que esta minha lucidez pode-se tornar o inferno humano - já me aconteceu antes. Pois sei que - em termos de nossa diária e permanente acomodação resignada à irrealidade - essa clareza de realidade é um risco. Apagai, pois, minha flama, Deus, porque ela não me serve para viver os dias. Ajudai-me a de novo consistir dos modos possíveis. Eu consisto, eu consisto, amém.
(Clarice Lispector)

quarta-feira, 21 de novembro de 2007

caleidoscopia

Quero apreender quem eu sou neste instante, para encontrar-me em seguida no depois.
Depois será alvorescer irreversível, devir irrefreável, rio sem fim.
E minhas antigas partes desintegradas se procurando em vão, formando já outros desenhos, outras cores...
Ah, quanto medo desta primavera!

quarta-feira, 14 de novembro de 2007

delicado resgate

Despertei de uma inconsciência má para encontrar-me naquele aposento cheirando a pão assado e alfazema, com poucos objetos e a calidez suave da sua presença. Antes de sobressaltar-me e tentar compreender o que estava fazendo ali, talvez por já ter desistido de qualquer luta e me rendido aos caprichos do destino, corri meu olhar ao redor, senti a aspereza da banheira enferrujada e a brandura da água que me cobria, acordei meus ouvidos com o cricrilar dos insetos, e observei-a por um momento na sua magestosa simplicidade.
Tinha uma beleza puída pelo tempo, sem artifícios, contida em si mesma com exatidão. Não havia promessas em sua graça, nada além do que se mostrava ali, e por sua singeleza tornava-a ainda mais solene.
Banhava-me como se banha uma criança: com todo o zelo e nenhuma malícia. Tinha ainda por descuido algumas folhas de outono enredadas no apanhado do coque.
Levantou-se com a leveza do vento e andou até o guarda-louças, imprimindo pegadas d'água no assoalho rangente, com um gato a costurar o caminho por entre seus tornozelos. Ao afastar-se senti um lampejo de solidão, coisa que não me costuma acometer. Trouxe consigo o jarro cheio para derramar sobre meus ombros, e tão logo a água me caiu às costas senti rasgar-me a pele a ferida ainda aberta, o talho fundo de uma vingança imerecida, a marca de uma batalha inútil da qual não tinha medalhas para ostentar. Sufoquei um grito em meu próprio deslumbramento ao encontrar seus olhos imensos como a noite, e a forma como lhes emolduravam as grossas pestanas. Olhava-me com seu rosto austero, sem dizer palavra.
Perturbou-me pensar no estado em que me encontrara, encharcado do fel da derrota, de sangue e poeira. Minha jornada foi tão longa, pensei, e não podia adivinhar por que atalhos recônditos desse caminho teria chegado àquela morada, àquela sorte, aos seus cuidados tão pios, àquele leito de mistério e benevolência.
Para lavar-me os cabelos o fazia com firmeza, seus dedos riscando com vigor meu couro cabeludo, como se cavasse com as unhas meu baluarte de falsas e penosas certezas e plantasse em seu seio um grão de fresca esperança, mergulhando-me num misto de aleluia e torpor. Recebi com acanhamento esta intimidade, até que deixei meus olhos se fecharem e a luz boa daquele cômodo convergiu em espessa treva.
Sabia-me tão seguro que nem mesmo por meus pesadelos poderia me ver assombrado. Queria guardar num cofre aquele sentimento, pendurá-lo fora do alcance das horas, saboreá-lo aos pedaços, reter algo dele para o futuro. Sua imagem sublime iluminada pela clarabóia fazia eco em minhas lembranças, mas já não podia dizer se era estranho aquele rosto, que julgava desconhecido, mas tão familiar. Sabia, contudo, com a clareza com que se sabem as verdades tácitas e os segredos mais valiosos: eu estava, finalmente, em casa.

quinta-feira, 8 de novembro de 2007

O mundo oculto que reside nas pequenas coisas do cotidiano

O que é verdade e o que é ficção...? Isso não é pergunta que se faça! Como diria o intrépido cowboy fitando o bandido indócil: a alma é o segredo do negócio...

Dalila

Nada que eu possa perceber neste universo iguala
o poder de tua intensa fragilidade cuja textura
compele-me com a cor de seus continentes
restituindo a morte e o sempre cada vez
que respira
Não sei dizer o que há em ti que fecha e abre
só uma parte de mim compreende que a voz dos teus olhos
é mais profunda que todas as rosas
Ninguém
nem mesmo a chuva
tem mãos tão pequenas.
(E. E. Cummings)

quarta-feira, 7 de novembro de 2007

Ah, pobre vaidade de carne e osso chamada homem!
(Fernando Pessoa)

segunda-feira, 5 de novembro de 2007

-Posso te servir mais chá?

-Por quê toda essa afobação, essa pressa de fazer coisas? Fica aqui.
-Aqui? Aqui, mesmo?
-É. Aqui do meu lado.
-Mas é muito. Me intoxica. A não ser que eu te ignore, que eu não responda às vibrações da tua presença, que eu fuja para dentro de mim. Não posso mais querer, preciso ouvir os pássaros... Sabia que há mais de 40 espécies diferentes aqui? E este espelho d'água que não se abala por nada, nem quando os peixes saltitam e brincam perto da margem. É tão quieto! Acredite, eu queria... Mas é tanta a turbulência... Se ao menos eu estivesse infeliz!
-Não entendo. Você queria estar triste?
-Não.
-Não está feliz aqui?
-Estou. E isto é perigoso...

ad finitum

quinta-feira, 1 de novembro de 2007

Não quero forma, molde, moldura... só correr no leito das ondas do Adagio de Albinoni.

segunda-feira, 29 de outubro de 2007

insanabilis

Não tem fim este corredor, esta parede fria, o trinco, eu não alcanço o trinco, como posso abr... Onde vais? saiu andando, lá fora cheio de luz, o sol querendo entrar, atrás de si a porta se fechou, não há mais tempo, atrás de mim também ficaram as portas fechadas, não alcanço o... Eu não disse que queria freqüentar aquele clube, eu odeio clubes, foi por isso que partiste? Senhor, quanto custa este anel? só posso pagar metade, vais me vender? mas será a boa metade? ou a má? beba e continue caminhando, continue caminhando, não perca a promoção, hei de ser assim um dia, quando comprar a... Minhas pernas tremem, está apertado aqui neste carro, para onde vamos todos nós? ele sabe,ele sabe, não pode conter aquela gargalhada suína, vai tentar tirar vantagem, não é? duas cerejas no meu martíni, e rápido, senão vou quebrar esta espelunca, onde está minha carruagem? não quero mais brinc... Adagio sostenuto, é meu favorito, tão triste, tão fluído que parece deslizar sobre a tarde cinza e criar pontes no ar por onde passa todo o desalento e seus fios cortantes e então a calma de toda a Terra e o que vive se torna tão puro e tão quieto que quase parece inanimado nessa redenção... Estouro quando a luz voltou, eu sabia que devia tirar da tomada, bem feito para aprender, agora amarga o silêncio, suporta este odor adocicado da mentira, finge que ri, gesticula e mostra interesse por este lixo, faz que não está nauseada com suas pústulas, brinca com seus tecidos vis, fala num tom grave como se falasse sério e gasta tuas palavras mais preciosas nessa anedota para o humor medíocre do demônio, expõe teus tesouros ao escárnio deste riso, quebra tuas juntas, desarticula este corpo que não faz nada além de abrigar um resto de alma quase finda, par... É assim? estou fazendo certo? estás vendo? eu quero voltar, quem vai abrir a... campainha... tão alto, que vergonha, que vergonha, por que não bato? a Senhora pode abrir, por favor? eu não sei o que estou fazendo aqui, só não consigo sair, não sei por quê eles me deixaram... quero ver a caixinha de música, é claro que sim, é a coisa mais linda que já vi, suas cores, o estalo da corda enquanto a música toca, presto agitato, figuras campestres em movimento, será um filme? é a televisão mais incrível, não tem excesso aquela imagem, não tem susto aquela cena, é de um encanto que me envolve, não lembro mais do corredor, quero ambrosia, sim, obrigada, está muito doce e morna, não gosto, como posso rejeitar esta libação, estupid... Me deixei levar por seu método, por seu jeito de acertar as coisas, talvez esteja vendo além, que me mostre, quero este sopro em minha boca, acho que entendo e me excito, seu olho é tão fundo, parece até que me enxerga, estará mesmo viv... A Senhora pode ficar comigo até eles voltarem? não sei quando - talvez não voltem - devo ter feito algo errado, não consigo lembrar, talvez os nós cegos com a lã nos cabelos da empregada, acho que ela ficou mesmo chateada, vou voltar e pedir desculpas, mas antes... Minha pretensão salarial? que tipo de pergunta é essa? acha que fui à marte ou que contei quantas crateras tem a lua, ou que sei por quê não chove para cima? acha que não me jogo desta janela se mudar a cor daquela nuvem? acha que lavo minhas mãos até esfolá-las porque nunca estou limpa o bastante? quer que eu embrulhe para presente? se for à vista tem vinte por cento de desconto, é só me passar a calculad... O meu ouvido dói, é de uma violência esta dor, de uma pungência, assim como vejo as árvores, eles sobem em seus galhos, exploram suas adjacências, confundem-se com as folhas num deleite farto, numa insolência enquanto aperto o ouvido contra a toalha, a grama fresca brotando por debaixo, fazendo cócegas no meu rosto, emanando seus verdes asfixiantes em minhas narinas... não me mexo, qualquer movimento pode ser fatal, estou fixa como uma estátua, mas me confortas, sabes o quanto sofro, tua voz cantando para mim aquele mantra, sei que não é ordinário este canto, tem a ver com um lugar distante, é divinal aquele som, posso amputar meus braços e pernas e caberei no teu colo novamente, quero ouvir a cantiga que entra pelo mesmo orifício inflamado que me faz padecer, não me cura, me mantém aqui, pago o preço, me faz adormecer para semp...

segunda-feira, 22 de outubro de 2007

low down man of mine

Pedi para você desligar a luz quando saísse... será que é tão difícil assim? Sim, vou dormir, agora. Porque é bom. Porque enquanto estou acordado passo a maior parte do tempo cumprindo obrigações e fazendo coisas que não tem o menor sentido, e então, no meu tempo ocioso, eu simplesmente não sei o que quero fazer. As drogas que experimentei perderam a graça. Podia entrar para alguma seita e me envolver em atos criminosos só pela adrenalina, mas me cansa só de pensar. Tem também aquela do segundo andar que gosta de usar o chicote mas, sinceramente... não gosto de dor tanto assim. O tédio é o pior de todos os demônios. O quê? Você achava que o inferno era aquele lugar ardente, excitante, cheio de sons e estímulos impactantes? Não... não. Não tem nada lá. Só uma sala de espera sem revistas para passar a eternidade. Olha, os bancos até são confortáveis. E o limbo? Isto não existe. Muito bem, agora a luz está ascesa mesmo. Esqueça. Calço meus chinelos de couro e ascendo aquele cigarro só para fazer a difícil transição para a vida de vigília. Jogo uma água na cara enquanto Vera Lynn canta para mim "I'm in the mood for love". Encho um copo de leite até a borda e tomo em três goles. Sinto doer a cabeça de tão gelado. Pela janela vejo as calcinhas no varal do segundo andar. Penso que se eu estivesse no térreo, podia tentar puxá-las e depois bater na porta dizendo que caíram no meu pátio. Ainda tem sol lá fora, talvez haja tempo para um passeio...

refúgios

Na casa da minha infância havia um sótão, não daqueles cheios de quinquilharias e tesouros escondidos, era bem mais sem graça que isso. E tinha um cheiro engraçado. Mas a questão é que através da janela do sótão, podia-se chegar facilmente ao telhado. No começo eu precisava de uma escada, daquelas de três degraus. Depois minhas pernas espicharam e sentia-me orgulhosa de dispensar este artifício.
As pessoas insistem em idealizar a infância, como se fossem os tempos áureos, ou a idade da inocência. Como se fosse fácil por não termos as mesmas responsabilidades da vida adulta. Mas qualquer um que quiser ser um pouco mais honesto vai concordar que essa época é bastante dura. E há momentos, então, em que tudo ao seu redor está errado, e você não consegue entender o porquê, muito menos tomar providências a respeito. Há certas ocasiões em que não se tem nem mesmo um vocabulário capaz de dar conta do que se passa, e aí as fúrias do estômago entram em ação. Você ama quem deveria desprezar e odeia quem deveria amar, e tudo é confuso e estarrecedor.
Nessas horas, eu subia no telhado. As vezes sem nada, as vezes com um exemplar de Edgar Allan Poe em quadrinhos. Queria que as histórias horripilantes me deixassem com medo, e então esqueceria a revolta, o ódio e a culpa, e sentiria apenas medo. Escolhia as mais macabras possíveis, e ficava lá, enquanto houvesse luz, e sabia que ninguém viria me procurar até o entardecer. Nesta época, é claro, não tinha o problema com alturas.
Com o tempo, mudou a casa, mudaram os refúgios. A padaria da esquina, a pracinha, o bar. Só agora me dou conta de que os lugares foram tornando-se cada vez mais cheios de gente. E isso porque eu já não precisava mais estar só para me sentir sozinha. Quando chegaram as oportunidades, comecei a ir mais longe. Léguas e léguas de distância, sempre procurando paisagens bonitas e desconhecidas, talvez para me sentir um pouco amedrontada, como com os quadrinhos. Mas o problema é que não era isto o que eu queria de verdade... Nem lá, em cima do telhado. Nunca quis estar sozinha, mas sim, em paz.
Só depois de muito tempo aprendi a diferença entre estar só e estar solitária. Nos “áureos tempos”, por maior que fosse o deserto ao meu redor, nunca conseguia ter a tranqüilidade da experiência de mim mesma. Minhas opções se limitavam a sentir um medo controlado ou ficar com a mente povoada por todos os monstros com quem eu brigava, e daí o transbordamento insuportável daqueles outros sentimentos que, invariavelmente, invocavam as fúrias do estômago.
Não sei dizer ao certo o que fez os monstros me concederem folgas, eventualmente. Acredito que tenha relação com o fato de eu ter crescido e desistido de ludibriá-los com os meus truques de terror. Deixei de tentar vencê-los e juntei-me à eles numa genuína rendição. Resolvi empregar todo o meu ser no intento de odiar, amar, invejar, destruir, amargar a mais penosa culpa, reparar, viver e reviver à exaustão. Acho que isso não foi bem uma escolha, mas uma decorrência inevitável dos anos. Não é fácil achar o caminho, muitas vezes me perco no sótão antes de chegar à janela. Mas quando encontro, nesses relances de trégua, o meu verdadeiro refúgio, aí posso estar acompanhada ou sozinha, mas não solitária.

quarta-feira, 17 de outubro de 2007

realidade factual e verídica

Ontem à noite, só para variar, dormi. E sonhei. Não lembro por qual porta entrei, mas me vi rodeada de um salão tão grande, que qualquer sussurro alí faria eco. No centro, a mesa estava posta com esmero e refinamento. Pesadas cortinas pendiam do teto até o chão, e candelabros iluminavam parcamente a cena. Sentei-me à cabeceira. À minha esquerda, quatro bacantes que se entreolhavam e davam risinhos nervosos. À minha direita, com a cara mais sisuda do mundo, sentou-se o Sr. Totem. Achei aquilo engraçado e resolvi quebrar o gelo, perguntando o que teríamos para o jantar. As bacantes, ainda entre risinhos histéricos, repetiram a minha pergunta “O que teremos para o jantar? O que teremos para o jantar? O que teremos para o jantar?” Penso que riam de mim. Sr. Totem ainda me fitava de cara fechada, e senti que precisava criar um canal de comunicação com ele. “Responda-me uma coisa, senhor: Não é um tanto incoerente, o senhor sentado aqui, à minha direita? Pelo que conheço da sua autoridade e importância, não deveria o senhor estar sentado à cabeceira desta mesa? E ademais, surpreende-me vê-lo encarnar esta forma humana, quando aprendi que totem se trata de uma entidade simbólica, que no máximo se apresenta sob a imagem de um animal...” Mal terminei a frase, pude ouvir as gargalhadas das bacantes, outra vez a me zombarem. Sr. Totem então quebrou seu funéreo silêncio e esbravejou em reprimenda: “Isto é totalmente impróprio para a hora da mesa!” Fiquei tomada de vergonha e baixei a cabeça. Agave, a mais velha das quatro bacantes, veio em minha defesa: “Você sabe, é impróprio para a hora da mesa. Mas não é impróprio para a hora da cadeira, ou da escrivaninha, ou do criado-mudo...” Eis que o criado, mudo, serve o vinho, e faz-me um sinal para que eu o acompanhe até o início de um estreito e interminável corredor. Diante dele, na placa pregada à parede, li a seguinte inscrição: “AQUI É ONDE CORRE A DOR. QUEM DESEJAR ATRAVESSÁ-LO, NELA ESBARRARÁ.” Resolvi deixar para mais tarde, e fui tomar um ar na sacada... A noite estava mais escura que o normal. Tive o impulso estúpido de olhar para baixo, e logo fui tomada da familiar crise de ansiedade que me acompanha quando estou nas alturas. Começou a me faltar o ar, e o que me salvou foi minha memória. Lembrei de um dos poucos ensinamentos úteis de Morfeu, aquele que sempre tentava me carregar para as profundezas mortíferas da sonolência eterna. “Boceje.” Então abri a boca o máximo que pude, e deixei meus pulmões encherem-se com o ar denso da noite. Foi tiro-e-queda. Este truque é realmente ótimo, pensei. A gárgula que estava sobre o parapeito começava a se movimentar, inquieta, e a me olhar como se me desafiasse. Achei aquilo de uma audácia tão grande, que resolvi subir nas suas costas, e então alçamos vôo por sobre as montanhas e florestas da região. Perto do alvorecer, pousamos junto de um lago, e em uma de suas margens uma fada punha-se diante de um ventilador, com uma expressão de extremo tédio, a esperar que suas asas encharcadas secassem. Tinha os cabelos descoloridos e vestia-se de rendas que lhe emprestavam a delicadeza que a natureza não lhe dera.“Foi este lago que molhou as suas asas?” perguntei. Ela soltou uma gargalhada, e eu comecei a suspeitar que algo havia de muito errado comigo, que já pela segunda vez era tomada como motivo de riso. “Então você não sabe que fadas não entram em lagos? Não conhece as regras aqui?” E foi por condescendência que ela continuou: “Eu preciso secá-las de tempos em tempos, se quiser voar. Acontece que as lágrimas que as pessoas engolem se condensam todas aqui, deixando minhas asas encharcadas. Não há muito o que fazer, ainda mais agora, que inventaram o PROZAC. Todos com essa moda de engolir lágrimas... É um enfado!” Fiquei observando-a alí, tão resignada ao seu injusto destino de pagar pelas excentricidades desses falsos alegres... E admirei sua generosidade, assim como a benevolência e o desprendimento com que secava aquelas asas, privando-se de voar para que outros alçassem vôos de felicidade artificial. Chorei. “Oh, obrigada!” ela exclamou. “Agora estão quase secas... Só mais uma sacudidela!” E tão contente que ficou, resolveu convidar-me para uma jornada. “Você sabe que existe uma passagem, em algum lugar não muito longe desta floresta, onde convergem todos os pontos da Terra? Podemos entrar por ela e sair em qualquer lugar, qualquer mesmo! Onde você deseja estar?” Perto dele, teria sido a minha resposta, se eu a tivesse dado. “Venha, eu farei o trajeto pelos ares, sobrevoando a mata para apontar-lhe a direção. Quanto a você, trate de analisar as condições do terreno para decidir onde poderemos parar para descansar.” Enquanto seguíamos nos afastando do lago, podia escutar a gárgula invejosa dizendo: “Qual o sentido disto? Que infantil e ridículo intento! Podem me dizer de que vale este projeto? Vagar errantes por uma floresta dessas procurando coisa que nem mesmo existe! Quanta vadiagem, quanta perda de tempo! Sonhos são pura perda de tempo! Então acordei.

terça-feira, 9 de outubro de 2007

urgência

Preciso encontrar uma maneira menos retorcida de ser feliz.

sábado, 6 de outubro de 2007

guilty as charged

Mr: Manipuladorazinha barata!

Mss: Quer, por gentileza, cutucar minhas feridas?

sexta-feira, 5 de outubro de 2007

olhares

O acaso criou um desenho de gotas de chuva na minha janela esta noite. Um desenho que me lembra uma estrada, uma ilha e um corrimão. Posso me deter muito tempo nisso e, sem nenhum controle, vou começar a sentir coisas e pensar coisas, e tudo porque o acaso pôs aquelas gotas alí e eu olhei. Talvez os meus sentimentos sejam agradáveis, talvez me levem a sofrer de uma dor relacionada a uma estrada, uma ilha e um corrimão. Se vou passar por todo esse trabalho, penso que posso agir no mundo também e não deixar que só o acaso se encarregue de produzir os estímulos ao meu redor. Posso meter a mão na massa e dar a ela outras formas... Ficarei terrivelmente frustrada quando, por minhas limitações, não conseguir moldá-la de acordo com a minha vontade, mas para esse mal não há remédio algum, a não ser continuar tentando. Ninguém me dirá como serão essas formas, preciso inventá-las.
Tudo o que existe, só existe porque nós o recriamos. Só nós podemos transcender a imagem concreta de um olho e descobrir alí um olhar. Só nós podemos supor que as coisas possuem vida, e investir nelas nossos desejos e torná-las vivas de fato. Há pessoas sem sorte que vivem como se fossem coisas e há coisas que ganham o estatuto de pessoas, pois é de uma total entrega como nos relacionamos com elas. Mas então por que buscamos tanto o que está lá fora, por que perdemos tanto tempo correndo atrás de verdades, se mesmo as mentiras são verdades à sua maneira?
As vezes quero que os sentidos se mostrem pra mim, que se auto-intitulem e eu, como mera espectadora, apenas os aceite. Não quero estar implicada. Quero que alguém me diga quem eu sou e o que é bom. Ser olhada, e só. Mas esse tempo já passou... Será que isto é crescer? Me apropriar do meu olhar?
O que acontece com freqüência, gerando grande sofrimento, é quando eu tenho a intenção de lhe mostrar algo, e que você possa ver isso com os meus olhos. Que você entenda. Eu lhe conto uma história e depois pergunto: entendeu? E é vital para mim que você responda sim. As formas que eu criar para a minha vida, você poderá olhá-las e dizer o que quiser, mas nunca permita que alguém lhe diga se está certo ou errado o seu jeito de interpretá-las. É apenas o seu jeito, um deles.
Agora a melhor parte: quando nos despojamos dos julgamentos e dos critérios avaliativos, surge a possibilidade de conversarmos sobre aquilo que vemos. Posso lhe contar o que estou enxergando e você fará o mesmo, e então construiremos juntos novas perspectivas.

sexta-feira, 21 de setembro de 2007

para quê servem as palavras II

É um problema matemático. Ele quer que um mais um seja igual a um. Nunca vai ser. Concordo que houve um tempo em que não precisávamos de palavras. Era só aquela turbulência de idéias pré-formuladas e desejos e expectativas de uma intensidade brutal. Aí eu fazia menção de procurar os fósforos e em segundos ele estalava aquele isqueiro brilhante e a chama se materializava fazendo a brasa incandescente aparecer. A chama que iluminava tudo, e ficávamos saboreando uma euforia de saber precisamente as respostas para as nossas vidas.
É claro que não se tratava de ascender um cigarro, mas da emergência de uma sintonia diabólica. Não havia gesto meu que não ganhasse um sentido especial sob o seu olhar, nem movimento dele que eu não capturasse em um significado, cheia de perícia. E então o desenrolar natural dos eventos carnais, a imersão total e completa na fruição de um deleite ilimitado, a festa dos sentidos e uma suave agonia na iminência do risco de um auto-abandono a este estado que, em demasia, se iguala à morte, tamanha a paz que proporciona.
Logo brotam as conversas coloridas por esta cena mágica, e em algum ponto sinto-me encharcada de uma alegria infantil pela sensação do reencontro com algo que desde sempre me fora tão incrivelmente familiar e que, contudo, jamais tivera um NOME. Descobrimos isso juntos. As dúvidas se extingüem com a rapidez de um raio espetando a Terra. Era ISSO que eu procurava, eu sei, eu sei, eu tenho CERTEZA. E agora que o traduzimos em palavras, poderá ser meu, para sempre. Acabamos de obturar a falta, aquilo que sempre carregamos com tanto incômodo, aquilo que chamam de solidão ou condição humana. Quem precisa disto? afinal, somos deuses aqui. Para não exagerar na ousadia, somos seres complementares, amalgamados e predestinados a vivermos nessa harmoniosa sincronia. Quando ele estiver calado será minha vez de produzir as falas. Quando eu estiver cansada ele se moverá.
Veja bem, não quero usar aqui a palavra FINGIMENTO, chega a me causar uma náusea, mas não consigo encontrar outra... Só por um segundo, eu quis me calar e ele também, então fingi não saber disto. E não foi só uma vez. Na verdade, houve também aquele outro dia em que eu quis andar mais rápido, pois sentia-me vitalizada pela velocidade, e ele estava encantado com a paisagem na serenidade de seus passos. Mas fingiu não se encantar mais, para podermos andar no mesmo ritmo. E assim começaram as minúsculas amputações de partes inconvenientes, que resistiam a se encaixarem. Ao final de um certo período já havíamos perdido a conta de quantas partes havíamos ejetado para fora do nosso círculo perfeito. E essas partes, você sabe, ficam lá orbitando, reclamando reconhecimento. E daí a triste esterilidade de termos nos fragmentado, feito-nos em tantas partículas que jamais se comunicam. Isto exigia uma medida drástica, a implementação de um círculo ainda mais grandioso, ferozmente onipotente. Saímos pelas ruas exibindo nossa completude, na patética esperança de que, ao convencermos os outros da sua pureza e inquestionabilidade, criaríamos um escudo para a chuva ácida das diferenças que tanto nos ameaçava.
E daí você pode perguntar "mas para quê tudo isso?", quem determinou essa sina, que lei é essa que aprisiona duas almas no ínfimo espaço de uma só (isto era tão romântico...)? Por que não construímos espaço para que cada um possa SER, independente do outro? Acontece que é trágico quando percebemos, por fim, que aquele doce alento tão bem-vindo não podia ser eterno. Que as respostas às nossas perguntas não foram encontradas, mas que só fizemos gerar mais perguntas, e então a inquietude de tudo. É assim a vida, diversa, turbulenta, criativa, cheia de contrastes. São suas falhas, suas arestas que continuam nos movendo e nos fazendo sonhar. A paz combina com a morte, e o árduo trabalho de se ver e enxergar o outro exige grandes renúncias. Estamos diante de um fabuloso mistério, uma coisa chamada ALTERIDADE. O que sei sobre ele? O que ele quer de mim? Quer que eu sorria, agora? Eu quero sorrir? Qual é o meu desejo? O que me faz sorrir? Vai me entender realmente se eu apenas disser o que sei dizer de mim, ainda que seja insuficiente? Qual é o NOME disto que eu sinto? Já não havíamos encontrado? Eu sabia, eu sabia, eu tinha CERTEZA...
Talvez se eu der um passo, só um passo, para fora deste círculo, encontre aquele pedaço que havia jogado fora e já nem lembrava que me pertencia... Que nostalgia das minhas partes esquecidas... São minhas? Posso experimentar? Tarde demais, já estou transgredindo! Sinto muito... Eu acho. Um mais um precisa ser dois (isto não é assim, os matemáticos sabem melhor do que eu).

poema astral

Olha o infinito
Olha no meio dessa imensidão
do meu peito
vê isto que cintila
vê estas luzes, estes amores?
Muitos deles já não existem
este brilho é uma ilusão de ótica
daquilo que já se perdeu no espaço-tempo
Mas seus reflexos são duradouros
pontos de prata reluzentes
lágrimas cadentes
sentimentos-diamante
*
(escrito em 08/07/96)

terça-feira, 18 de setembro de 2007

para quê servem as palavras

Começou com um pequeno lapso de memória. Estava no hall do edifício, falando para a vizinha de minhas impressões a respeito da reunião de condomínio, procurando absolvê-la da culpa por não ter participado (tenho essa mania de me preocupar com os outros). Quis explicar-lhe que tudo já havia sido solucionado, pequenos problemas como o vazamento da garagem e as faixas sinalizadoras nos degraus das escadas, destinados a evitar acidentes, como o que ocorrera com um dos condôminos idosos na semana anterior. Mas sobretudo, quis emitir uma opinião muito íntima, quase confessional, quis adjetivar a experiência que eu tivera, e sabia exatamente o termo a ser usado para isto e, no entanto, não consegui lembrá-lo. A falha obrigou-me a interromper meu entusiasmado relato com um silêncio hesitante, que em poucos instantes se tornou incômodo. Fiz então uma patética tentativa de iniciar uma frase, mas titubeei na primeira sílaba. Esforcei-me tremendamente para encontrar qualquer palavra que me salvasse daquela situação constrangedoramente estúpida. -Ãh... ãh... eh… Fracasso. Despedi-me da vizinha com um meneio de cabeça, o melhor que pude fazer, e caminhei em linha reta até o elevador. Um pé diante do outro, em um ritmo normal, para não comprometer ainda mais minha imagem, já abalada por aquela conversa absurda e inconclusiva. Afinal não quis parecer doida. Mas por dentro queria correr, zarpar para dentro do elevador, sair de cena o mais rápido possível, preocupada em não ser flagrada por mais ninguém naquele momento em que sentia-me impelida a agir de modo tão estranho. Subi o primeiro, segundo, terceiro andar... Fiquei a acompanhar a passagem dos andares pela pequena abertura na porta do cubículo. Faltavam apenas dois andares para o oitavo, e então estaria livre. Mas no sexto andar, senti o elevador demorar-se, até que a porta se abriu. - Desce? – perguntou o rapazinho com óculos de fundo-de-garrafa, com a voz desafinada de adolescente. Desce... Desce... Aquela palavra rodopiava, saltitava, sibilava em minha mente, como uma entidade totalmente independente de um sentido, era quase um animalzinho sonoro, arredio e impossível de ser capturado em um contexto. O rapaz continuava parado diante da porta, na expectativa de uma resposta bastante simples, monossilábica, inclusive. Reunindo todas as minhas forças, já sentindo o suor brotando na testa, inspirei profundamente e respondi: - Não... Dando de ombros, a criaturinha franzina e desengonçada entrou assim mesmo naquela cabine hermética e achou por bem acompanhar-me em minha subida, para então apertar o botão do térreo. Invadiu-me um medo terrível de que me fizesse outra pergunta, ou que simplesmente se dirigisse a mim, e que a maldição se repetisse. Tentei pensar em outra definição para o que estava me acontecendo, mas só havia uma possível: estava perdendo as palavras. Não se tratava de fuga de idéias, pois meu raciocínio estava perfeito. Mas a maneira como ele agora operava era no nível mais concreto das imagens e sensações. Diante de qualquer tentativa de articulação verbal, as palavras rapidamente se embaralhavam em neologismos, verdadeiros arremedos de verbo. Meus Deus, onde isto vai parar?

segunda-feira, 17 de setembro de 2007

alter

Sigo líquida e sem continente como
as coisas etéreas e desfetadas.