segunda-feira, 29 de outubro de 2007

insanabilis

Não tem fim este corredor, esta parede fria, o trinco, eu não alcanço o trinco, como posso abr... Onde vais? saiu andando, lá fora cheio de luz, o sol querendo entrar, atrás de si a porta se fechou, não há mais tempo, atrás de mim também ficaram as portas fechadas, não alcanço o... Eu não disse que queria freqüentar aquele clube, eu odeio clubes, foi por isso que partiste? Senhor, quanto custa este anel? só posso pagar metade, vais me vender? mas será a boa metade? ou a má? beba e continue caminhando, continue caminhando, não perca a promoção, hei de ser assim um dia, quando comprar a... Minhas pernas tremem, está apertado aqui neste carro, para onde vamos todos nós? ele sabe,ele sabe, não pode conter aquela gargalhada suína, vai tentar tirar vantagem, não é? duas cerejas no meu martíni, e rápido, senão vou quebrar esta espelunca, onde está minha carruagem? não quero mais brinc... Adagio sostenuto, é meu favorito, tão triste, tão fluído que parece deslizar sobre a tarde cinza e criar pontes no ar por onde passa todo o desalento e seus fios cortantes e então a calma de toda a Terra e o que vive se torna tão puro e tão quieto que quase parece inanimado nessa redenção... Estouro quando a luz voltou, eu sabia que devia tirar da tomada, bem feito para aprender, agora amarga o silêncio, suporta este odor adocicado da mentira, finge que ri, gesticula e mostra interesse por este lixo, faz que não está nauseada com suas pústulas, brinca com seus tecidos vis, fala num tom grave como se falasse sério e gasta tuas palavras mais preciosas nessa anedota para o humor medíocre do demônio, expõe teus tesouros ao escárnio deste riso, quebra tuas juntas, desarticula este corpo que não faz nada além de abrigar um resto de alma quase finda, par... É assim? estou fazendo certo? estás vendo? eu quero voltar, quem vai abrir a... campainha... tão alto, que vergonha, que vergonha, por que não bato? a Senhora pode abrir, por favor? eu não sei o que estou fazendo aqui, só não consigo sair, não sei por quê eles me deixaram... quero ver a caixinha de música, é claro que sim, é a coisa mais linda que já vi, suas cores, o estalo da corda enquanto a música toca, presto agitato, figuras campestres em movimento, será um filme? é a televisão mais incrível, não tem excesso aquela imagem, não tem susto aquela cena, é de um encanto que me envolve, não lembro mais do corredor, quero ambrosia, sim, obrigada, está muito doce e morna, não gosto, como posso rejeitar esta libação, estupid... Me deixei levar por seu método, por seu jeito de acertar as coisas, talvez esteja vendo além, que me mostre, quero este sopro em minha boca, acho que entendo e me excito, seu olho é tão fundo, parece até que me enxerga, estará mesmo viv... A Senhora pode ficar comigo até eles voltarem? não sei quando - talvez não voltem - devo ter feito algo errado, não consigo lembrar, talvez os nós cegos com a lã nos cabelos da empregada, acho que ela ficou mesmo chateada, vou voltar e pedir desculpas, mas antes... Minha pretensão salarial? que tipo de pergunta é essa? acha que fui à marte ou que contei quantas crateras tem a lua, ou que sei por quê não chove para cima? acha que não me jogo desta janela se mudar a cor daquela nuvem? acha que lavo minhas mãos até esfolá-las porque nunca estou limpa o bastante? quer que eu embrulhe para presente? se for à vista tem vinte por cento de desconto, é só me passar a calculad... O meu ouvido dói, é de uma violência esta dor, de uma pungência, assim como vejo as árvores, eles sobem em seus galhos, exploram suas adjacências, confundem-se com as folhas num deleite farto, numa insolência enquanto aperto o ouvido contra a toalha, a grama fresca brotando por debaixo, fazendo cócegas no meu rosto, emanando seus verdes asfixiantes em minhas narinas... não me mexo, qualquer movimento pode ser fatal, estou fixa como uma estátua, mas me confortas, sabes o quanto sofro, tua voz cantando para mim aquele mantra, sei que não é ordinário este canto, tem a ver com um lugar distante, é divinal aquele som, posso amputar meus braços e pernas e caberei no teu colo novamente, quero ouvir a cantiga que entra pelo mesmo orifício inflamado que me faz padecer, não me cura, me mantém aqui, pago o preço, me faz adormecer para semp...

segunda-feira, 22 de outubro de 2007

low down man of mine

Pedi para você desligar a luz quando saísse... será que é tão difícil assim? Sim, vou dormir, agora. Porque é bom. Porque enquanto estou acordado passo a maior parte do tempo cumprindo obrigações e fazendo coisas que não tem o menor sentido, e então, no meu tempo ocioso, eu simplesmente não sei o que quero fazer. As drogas que experimentei perderam a graça. Podia entrar para alguma seita e me envolver em atos criminosos só pela adrenalina, mas me cansa só de pensar. Tem também aquela do segundo andar que gosta de usar o chicote mas, sinceramente... não gosto de dor tanto assim. O tédio é o pior de todos os demônios. O quê? Você achava que o inferno era aquele lugar ardente, excitante, cheio de sons e estímulos impactantes? Não... não. Não tem nada lá. Só uma sala de espera sem revistas para passar a eternidade. Olha, os bancos até são confortáveis. E o limbo? Isto não existe. Muito bem, agora a luz está ascesa mesmo. Esqueça. Calço meus chinelos de couro e ascendo aquele cigarro só para fazer a difícil transição para a vida de vigília. Jogo uma água na cara enquanto Vera Lynn canta para mim "I'm in the mood for love". Encho um copo de leite até a borda e tomo em três goles. Sinto doer a cabeça de tão gelado. Pela janela vejo as calcinhas no varal do segundo andar. Penso que se eu estivesse no térreo, podia tentar puxá-las e depois bater na porta dizendo que caíram no meu pátio. Ainda tem sol lá fora, talvez haja tempo para um passeio...

refúgios

Na casa da minha infância havia um sótão, não daqueles cheios de quinquilharias e tesouros escondidos, era bem mais sem graça que isso. E tinha um cheiro engraçado. Mas a questão é que através da janela do sótão, podia-se chegar facilmente ao telhado. No começo eu precisava de uma escada, daquelas de três degraus. Depois minhas pernas espicharam e sentia-me orgulhosa de dispensar este artifício.
As pessoas insistem em idealizar a infância, como se fossem os tempos áureos, ou a idade da inocência. Como se fosse fácil por não termos as mesmas responsabilidades da vida adulta. Mas qualquer um que quiser ser um pouco mais honesto vai concordar que essa época é bastante dura. E há momentos, então, em que tudo ao seu redor está errado, e você não consegue entender o porquê, muito menos tomar providências a respeito. Há certas ocasiões em que não se tem nem mesmo um vocabulário capaz de dar conta do que se passa, e aí as fúrias do estômago entram em ação. Você ama quem deveria desprezar e odeia quem deveria amar, e tudo é confuso e estarrecedor.
Nessas horas, eu subia no telhado. As vezes sem nada, as vezes com um exemplar de Edgar Allan Poe em quadrinhos. Queria que as histórias horripilantes me deixassem com medo, e então esqueceria a revolta, o ódio e a culpa, e sentiria apenas medo. Escolhia as mais macabras possíveis, e ficava lá, enquanto houvesse luz, e sabia que ninguém viria me procurar até o entardecer. Nesta época, é claro, não tinha o problema com alturas.
Com o tempo, mudou a casa, mudaram os refúgios. A padaria da esquina, a pracinha, o bar. Só agora me dou conta de que os lugares foram tornando-se cada vez mais cheios de gente. E isso porque eu já não precisava mais estar só para me sentir sozinha. Quando chegaram as oportunidades, comecei a ir mais longe. Léguas e léguas de distância, sempre procurando paisagens bonitas e desconhecidas, talvez para me sentir um pouco amedrontada, como com os quadrinhos. Mas o problema é que não era isto o que eu queria de verdade... Nem lá, em cima do telhado. Nunca quis estar sozinha, mas sim, em paz.
Só depois de muito tempo aprendi a diferença entre estar só e estar solitária. Nos “áureos tempos”, por maior que fosse o deserto ao meu redor, nunca conseguia ter a tranqüilidade da experiência de mim mesma. Minhas opções se limitavam a sentir um medo controlado ou ficar com a mente povoada por todos os monstros com quem eu brigava, e daí o transbordamento insuportável daqueles outros sentimentos que, invariavelmente, invocavam as fúrias do estômago.
Não sei dizer ao certo o que fez os monstros me concederem folgas, eventualmente. Acredito que tenha relação com o fato de eu ter crescido e desistido de ludibriá-los com os meus truques de terror. Deixei de tentar vencê-los e juntei-me à eles numa genuína rendição. Resolvi empregar todo o meu ser no intento de odiar, amar, invejar, destruir, amargar a mais penosa culpa, reparar, viver e reviver à exaustão. Acho que isso não foi bem uma escolha, mas uma decorrência inevitável dos anos. Não é fácil achar o caminho, muitas vezes me perco no sótão antes de chegar à janela. Mas quando encontro, nesses relances de trégua, o meu verdadeiro refúgio, aí posso estar acompanhada ou sozinha, mas não solitária.

quarta-feira, 17 de outubro de 2007

realidade factual e verídica

Ontem à noite, só para variar, dormi. E sonhei. Não lembro por qual porta entrei, mas me vi rodeada de um salão tão grande, que qualquer sussurro alí faria eco. No centro, a mesa estava posta com esmero e refinamento. Pesadas cortinas pendiam do teto até o chão, e candelabros iluminavam parcamente a cena. Sentei-me à cabeceira. À minha esquerda, quatro bacantes que se entreolhavam e davam risinhos nervosos. À minha direita, com a cara mais sisuda do mundo, sentou-se o Sr. Totem. Achei aquilo engraçado e resolvi quebrar o gelo, perguntando o que teríamos para o jantar. As bacantes, ainda entre risinhos histéricos, repetiram a minha pergunta “O que teremos para o jantar? O que teremos para o jantar? O que teremos para o jantar?” Penso que riam de mim. Sr. Totem ainda me fitava de cara fechada, e senti que precisava criar um canal de comunicação com ele. “Responda-me uma coisa, senhor: Não é um tanto incoerente, o senhor sentado aqui, à minha direita? Pelo que conheço da sua autoridade e importância, não deveria o senhor estar sentado à cabeceira desta mesa? E ademais, surpreende-me vê-lo encarnar esta forma humana, quando aprendi que totem se trata de uma entidade simbólica, que no máximo se apresenta sob a imagem de um animal...” Mal terminei a frase, pude ouvir as gargalhadas das bacantes, outra vez a me zombarem. Sr. Totem então quebrou seu funéreo silêncio e esbravejou em reprimenda: “Isto é totalmente impróprio para a hora da mesa!” Fiquei tomada de vergonha e baixei a cabeça. Agave, a mais velha das quatro bacantes, veio em minha defesa: “Você sabe, é impróprio para a hora da mesa. Mas não é impróprio para a hora da cadeira, ou da escrivaninha, ou do criado-mudo...” Eis que o criado, mudo, serve o vinho, e faz-me um sinal para que eu o acompanhe até o início de um estreito e interminável corredor. Diante dele, na placa pregada à parede, li a seguinte inscrição: “AQUI É ONDE CORRE A DOR. QUEM DESEJAR ATRAVESSÁ-LO, NELA ESBARRARÁ.” Resolvi deixar para mais tarde, e fui tomar um ar na sacada... A noite estava mais escura que o normal. Tive o impulso estúpido de olhar para baixo, e logo fui tomada da familiar crise de ansiedade que me acompanha quando estou nas alturas. Começou a me faltar o ar, e o que me salvou foi minha memória. Lembrei de um dos poucos ensinamentos úteis de Morfeu, aquele que sempre tentava me carregar para as profundezas mortíferas da sonolência eterna. “Boceje.” Então abri a boca o máximo que pude, e deixei meus pulmões encherem-se com o ar denso da noite. Foi tiro-e-queda. Este truque é realmente ótimo, pensei. A gárgula que estava sobre o parapeito começava a se movimentar, inquieta, e a me olhar como se me desafiasse. Achei aquilo de uma audácia tão grande, que resolvi subir nas suas costas, e então alçamos vôo por sobre as montanhas e florestas da região. Perto do alvorecer, pousamos junto de um lago, e em uma de suas margens uma fada punha-se diante de um ventilador, com uma expressão de extremo tédio, a esperar que suas asas encharcadas secassem. Tinha os cabelos descoloridos e vestia-se de rendas que lhe emprestavam a delicadeza que a natureza não lhe dera.“Foi este lago que molhou as suas asas?” perguntei. Ela soltou uma gargalhada, e eu comecei a suspeitar que algo havia de muito errado comigo, que já pela segunda vez era tomada como motivo de riso. “Então você não sabe que fadas não entram em lagos? Não conhece as regras aqui?” E foi por condescendência que ela continuou: “Eu preciso secá-las de tempos em tempos, se quiser voar. Acontece que as lágrimas que as pessoas engolem se condensam todas aqui, deixando minhas asas encharcadas. Não há muito o que fazer, ainda mais agora, que inventaram o PROZAC. Todos com essa moda de engolir lágrimas... É um enfado!” Fiquei observando-a alí, tão resignada ao seu injusto destino de pagar pelas excentricidades desses falsos alegres... E admirei sua generosidade, assim como a benevolência e o desprendimento com que secava aquelas asas, privando-se de voar para que outros alçassem vôos de felicidade artificial. Chorei. “Oh, obrigada!” ela exclamou. “Agora estão quase secas... Só mais uma sacudidela!” E tão contente que ficou, resolveu convidar-me para uma jornada. “Você sabe que existe uma passagem, em algum lugar não muito longe desta floresta, onde convergem todos os pontos da Terra? Podemos entrar por ela e sair em qualquer lugar, qualquer mesmo! Onde você deseja estar?” Perto dele, teria sido a minha resposta, se eu a tivesse dado. “Venha, eu farei o trajeto pelos ares, sobrevoando a mata para apontar-lhe a direção. Quanto a você, trate de analisar as condições do terreno para decidir onde poderemos parar para descansar.” Enquanto seguíamos nos afastando do lago, podia escutar a gárgula invejosa dizendo: “Qual o sentido disto? Que infantil e ridículo intento! Podem me dizer de que vale este projeto? Vagar errantes por uma floresta dessas procurando coisa que nem mesmo existe! Quanta vadiagem, quanta perda de tempo! Sonhos são pura perda de tempo! Então acordei.

terça-feira, 9 de outubro de 2007

urgência

Preciso encontrar uma maneira menos retorcida de ser feliz.

sábado, 6 de outubro de 2007

guilty as charged

Mr: Manipuladorazinha barata!

Mss: Quer, por gentileza, cutucar minhas feridas?

sexta-feira, 5 de outubro de 2007

olhares

O acaso criou um desenho de gotas de chuva na minha janela esta noite. Um desenho que me lembra uma estrada, uma ilha e um corrimão. Posso me deter muito tempo nisso e, sem nenhum controle, vou começar a sentir coisas e pensar coisas, e tudo porque o acaso pôs aquelas gotas alí e eu olhei. Talvez os meus sentimentos sejam agradáveis, talvez me levem a sofrer de uma dor relacionada a uma estrada, uma ilha e um corrimão. Se vou passar por todo esse trabalho, penso que posso agir no mundo também e não deixar que só o acaso se encarregue de produzir os estímulos ao meu redor. Posso meter a mão na massa e dar a ela outras formas... Ficarei terrivelmente frustrada quando, por minhas limitações, não conseguir moldá-la de acordo com a minha vontade, mas para esse mal não há remédio algum, a não ser continuar tentando. Ninguém me dirá como serão essas formas, preciso inventá-las.
Tudo o que existe, só existe porque nós o recriamos. Só nós podemos transcender a imagem concreta de um olho e descobrir alí um olhar. Só nós podemos supor que as coisas possuem vida, e investir nelas nossos desejos e torná-las vivas de fato. Há pessoas sem sorte que vivem como se fossem coisas e há coisas que ganham o estatuto de pessoas, pois é de uma total entrega como nos relacionamos com elas. Mas então por que buscamos tanto o que está lá fora, por que perdemos tanto tempo correndo atrás de verdades, se mesmo as mentiras são verdades à sua maneira?
As vezes quero que os sentidos se mostrem pra mim, que se auto-intitulem e eu, como mera espectadora, apenas os aceite. Não quero estar implicada. Quero que alguém me diga quem eu sou e o que é bom. Ser olhada, e só. Mas esse tempo já passou... Será que isto é crescer? Me apropriar do meu olhar?
O que acontece com freqüência, gerando grande sofrimento, é quando eu tenho a intenção de lhe mostrar algo, e que você possa ver isso com os meus olhos. Que você entenda. Eu lhe conto uma história e depois pergunto: entendeu? E é vital para mim que você responda sim. As formas que eu criar para a minha vida, você poderá olhá-las e dizer o que quiser, mas nunca permita que alguém lhe diga se está certo ou errado o seu jeito de interpretá-las. É apenas o seu jeito, um deles.
Agora a melhor parte: quando nos despojamos dos julgamentos e dos critérios avaliativos, surge a possibilidade de conversarmos sobre aquilo que vemos. Posso lhe contar o que estou enxergando e você fará o mesmo, e então construiremos juntos novas perspectivas.