sexta-feira, 23 de maio de 2008

Quero te enxergar, mas as vezes só vejo a mim mesma. Quero realizar coisas, mas minha confusão me paralisa. Há um muro de névoa espessa ao meu redor, ele esteve aqui desde sempre. Não foi feitiço nem castigo, eu mesma o construí. Achava que me protegeria do mundo.

a besta

Percebo uma diferença entre a tristeza que costumo sentir e esta que agora me acomete. Por não ser comum, por não apontar para os mesmos velhos calos que me dóem, por estar acima dessa, como que acompanhada de uma nova descoberta. Antes de olhar para mim, observo o que está lá fora. Meu entorno, meus semelhantes. As pessoas passam suas vidas sofrendo exatamente pelos mesmos problemas. Podem mudar um pouco a roupagem, mas não se modificam em sua essência. É a compulsão a repetir sempre o mesmo caminho, o caminho da dor já trilhado. Quando o acaso produz o encontro entre pessoas que podem fazer a diferença na vida uma da outra, o vício se encarrega de criar atritos entre elas, para que jamais continuem unidas, para que não corram o terrível risco de colherem frutos dessa renovação, dessa lucidez. Para que possam permanecer exatamente iguais e jamais aprendam com a experiência. É disto que trata a mágoa que agora sinto: do meu vício, meu pior inimigo. Imagino que alguns afortunados consigam dominá-lo mais cedo, por sorte, por mérito. Ocorre que, depois de um certo tempo, se não é vencido, é ele quem me vence. Este animal sorrateiro, silencioso, sempre pronto a destilar seu veneno na minha esperança. Terei eu a chance de superá-lo um dia? Hoje penso que não, mas quem sabe amanhã acorde mais otimista.




















quarta-feira, 21 de maio de 2008

livre devaneio metapsicológico

Estar vivo é uma inundação de estímulos, a experiência é avassaladora e precisa ser escoada de nossas almas para que não transborde. Uma das maneiras mais conhecidas de fazer este escoamento é vertendo lágrimas, mas sobretudo aquelas lágrimas que estão impregnadas de sentimento, idependente da sua qualidade. O sofrimento, aqui tomado no sentido de sujeição à experiência, pode ser de alegria ou tristeza, espanto ou comoção, etc.. Em alguns casos obstrui-se o aparelho escoadouro na tentativa de protegê-lo do sofrimento, quando sofrer se iguala a admitir quantidades insuportáveis de estímulos, incompatível com a capacidade receptora. Negar-se o alívio logrado pela dor é tambem vetar os caminhos que conduzem às sensações prazerosas. Tem, portanto, muito mais serventia uma dor genuína, sentida em toda sua intensidade, que um contentamento forjado na tentativa de represar o transbordamento de emoções. A descarga do sofrimento é relativamente simples de se executar, quando admitida. Isto porque o caminho da dor é universalmente conhecido e já trilhado por todos os seres vivos, a começar pela dor de vir ao mundo. Trilhar este caminho já aberto é deslizar por uma corredeira onde quase não há obstáculos ou atritos, é líquido e veloz. Mas por sua falta de complexidade, também desperdiça por vezes muito da carga efervescente de emoção que, sob formas mais sofisticadas de escoamento, poderia ser aproveitada com maior economia e produtividade. Por exemplo: tente utilizar este caldo borbulhante e poderoso como combustível para um pensamento, e verá o tamanho do potencial gerador de novas idéias carregadas pela experiência, que por sua vez estendem-se em milhares de outras derivadas. Pensamentos são artigos de luxo, constructos elaborados, que servem ao nosso deleite. Eles dão forma à essa massa, continente à essa turbulência desenfreada que nos atravessa, e nos permite experimentá-la em quantidades controladas, degustada em pequenos frascos, em um ritmo adequado à nossa necessidade de digestão, enquanto a dor apenas (!) nos permite livrarmo-nos dessa turbulência para que não nos arrebate. Os pensamentos nem sempre atingem a excelência da dor em termos de eficiência de descarga. Ao invés de deslizar livremente, a energia fica retida aqui e alí, nas pedras do caminho, e é precisamente nisto que reside a possibilidade de utilizá-la. A dor tudo justifica. Ninguém se atreve a discutí-la. Os pensamentos, por sua vez, já nascem incompletos, e por isto sua tendência natural a se reproduzirem, gerando adendos, apêndices e complementos que jamais dão conta de fechar uma questão.

*Escrito em guardanapo de bar em alguma noite de 2005

sábado, 10 de maio de 2008

ego suum

Você compreende, as vezes me sinto um tanto deslocada.