quarta-feira, 5 de novembro de 2008

te amo.

"Tenho fome de tua boca, de tua voz, de teu pelo, e pelas ruas vou sem nutrir-me, calada, não me sustenta o pão, a aurora me desequilibra, busco o som líquido de teus pés no dia. Estou faminta de teu riso resvalado, de tuas mãos cor de furioso celeiro, tenho fome da pálida pedra de tuas unhas, quero comer tua pele como uma intacta amêndoa. Quero comer o raio queimado de tua beleza, o nariz soberano do arrogante rosto, quero comer a sombra fugaz de tuas pestanas e faminta venho e vou olfateando o crepúsculo buscando-te, buscando teu coração ardente como um puma na solidão de Quitratúe".
(Neruda)

quarta-feira, 17 de setembro de 2008

perfeito

guerra

Que vontade tentadora de ser egoísta.

segunda-feira, 8 de setembro de 2008

lindo

"As vezes cores diferentes se encontram, e descobrem que são a luz refratada de um mesmo prisma." (Rafa Giordano)

sábado, 30 de agosto de 2008

fala de Marcela

Não fica aí parado, me olhando com essa cara, como quem diz que sabe quem eu sou. Você não me conhece... Você conhece, no máximo, esse reflexo amarrotado de si mesmo, isso de que você quer se livrar, o seu lixo que você amontoa em torno de mim e batiza com o meu nome, assim, como se eu fosse mesmo uma criação sua. Vai ver você pensa mesmo que é Deus, ou pior, minha mãe!

terça-feira, 26 de agosto de 2008

o diabo na rua no meio do redemoinho

Uma pessoa está completamente louca ou completamente curada quando consegue dizer exatamente o que se passa na sua cabeça.

quarta-feira, 20 de agosto de 2008

Diário de uma Adolescente

O processo vai regredindo
lentamente
e a transição é estranha
sem a beleza exótica de antes
sem maiores sonhos
reservados para a porta de entrada
por onde saio
A suavidade se sobrepõe à força
vou baixando a guarda
lentamente
sem um motivo sólido o suficiente
só que o amor- aquele amor
que deu um novo sentido a essa palavra
ele se transforma
a cada dia num bicho diferente
de leão para gatinho indefeso
vai sendo domesticado
adormecido
machucado
extingüido...
(escrito em 18 de março de 1997)

quarta-feira, 6 de agosto de 2008

inútil

Tente afogar as mágoas e elas aprendem a nadar. (quem escreveu isto mesmo? Thank's Shê)

sábado, 2 de agosto de 2008

desenho bacaninha

Matando aula na oitava série. Uma das poucas vezes em que usei cores num desenho. Essa coisa de cores é complicada.

sexta-feira, 1 de agosto de 2008

o amor é para os poetas

"Você já amou? É horrível, não? Você fica tão vulnerável. O amor abre o seu peito e abre o seu coração e isso significa que qualquer um pode entrar em você e bagunçar tudo. Você ergue todas essas defesas. Constrói essa armadura inteira, durante anos, para que nada possa lhe causar mal. Aí uma pessoa idiota, igualzinha a qualquer outro idiota, entra em sua vida. Você dá a essa pessoa um pedaço seu, e ela nem pediu. Um dia, ela faz alguma coisa besta como beijar você ou sorrir, e de repente sua vida não lhe pertence mais. O amor faz reféns. Ele entra em você. Devora tudo que é seu e lhe deixa chorando na escuridão. E então uma simples frase como "talvez devêssemos ser apenas amigos" se transforma em estilhaços de vidro rasgando seu coração. Isso dói. Não só na sua imaginação ou mente. É uma dor na alma, uma dor no corpo, é uma verdadeira dor que entra em você e o destroça por dentro. Nada deveria ser assim, principalmente o amor.Odeio o amor" (Neil Gaiman)
Uma descrição primorosa!

domingo, 20 de julho de 2008

DOR

não há analgésico possível para a dor física de um coração partido.

quinta-feira, 3 de julho de 2008

não interferir

"Filhos não são livros para colorir. Você não pode simplesmente preenchê-lo com suas cores favoritas."
(Rahim Kham, personagem do romance "O Caçador de Pipas", de Khaled Hosseini)

interferir

Pura e imaculada, provocativa, desafiadora, toda a folha em branco possui cinco limites: suas quatro margens e a criatividade do artista.

terça-feira, 17 de junho de 2008

Maitê

Já era noite escura quando Arthur voltava do trabalho cochilando com o sacolejo do ônibus. Um grupo de senhoras rindo e falando muito alto, carregadas de sacolas, arrancaram-no do seu torpor, preenchendo todo o ambiente com aquele alvoroço histérico. Arthur bocejou, olhou para a janela tentando se localizar no trajeto. Ainda estava longe da sua parada.
Foi então que ele a avistou, sentada, um pouco mais à frente, ao lado de uma das senhoras tagarelas: Maitê. Há dez anos atrás, Arthur a conhecera. Era a menina mais bonita do colégio. Do mundo, naquela época.
Maitê tinha olhos enormes e expressivos, que harmonizavam perfeitamente com seus traços angelicais. Seus longos cabelos de seda encaracolados exalavam o frescor dos dias mais afáveis de primavera, e quando pronunciava qualquer palavra, o hálito de bala de framboesa e sua voz meiga de sereia arrancava suspiros de todos os meninos da sexta série. Arthur era secretamente apaixonado desde a primeira. É claro que, em cinco anos, seu sentimento amadurecera, e o que antes consistia em esperá-la na porta do banheiro para lhe acertar mísseis de papel molhado tornara-se então um misto de incontida excitação e vontade de vomitar quando pensava que poderia chamar a atenção daquele par de olhos castanhos para si.
Maitê andava sempre com suas fiéis seguidoras, Raquel e Carolzinha. A primeira, muito magra, era a melhor aluna da classe. Já a segunda, uma ruiva de língua ferina, só poupava as amigas de suas melediscências. Ambas eram cruéis e implacáveis com qualquer menino que se aproximasse.
Não bastasse isto, Arthur tinha uma imagem a zelar como o aluno mais popular da sala, recordista dos campeonatos de taco e colecionador de figurinhas pornográfoicas roubadas com astúcia da carteira de seu tio. Não podia de forma alguma se rebaixar ao julgamento de meninas, pois seus amigos o viam muito acima disto.
Era verão, as férias estavam muito próximas, e por dois longos meses Arthur ficaria longe dos amigos e o que era pior, mais longe ainda de Maitê. Repassava milhões de vezes na sua cabeça um roteiro em que a convidaria para assistí-lo jogar, e então faria tantos pontos que a deixaria deslumbrada. Precisamente neste momento, Maitê descerraria aqueles seus doces lábios rosados e responderia um sonoro "sim" quando ele perguntasse se poderia beijá-la.
Na verdade Arthur nunca tinha beijado uma menina. A não ser a sua irmã mais nova, quando tinha três anos. Mas isso não contava oficialmente como beijo. Ele sabia que beijar a linda Maitê seria uma experiência sublime e completamente diferente de qualquer outra. Mas ninguém da sexta série sequer sonhava que o rei Arthur ainda fosse B.V. (boca virgem) e era vitalmente importante para sua honra que continuassem pensando assim.
Na penúltima semana de aula, durante uma explicação de Matemática, a idéia surgiu como um estalo: Arthur beijaria Catarina, uma menina tímida e ligeiramente estrábica, que jamais contaria a ninguém caso detectasse a sua inexperiência, até porque, dificilmente ela já teria sido beijada para estabelecer qualquer critério de comparação. Sentiu uma onda de alívio ao pensar nessa solução. Finalmente, perderia o medo de beijar e, sem levantar suspeitas, estaria preparado para mostrar a Maitê toda a sua paixão. No fim dessa aula Arthur voltou para casa esfuziado, correndo, quase sem sentir seus pés tocando o chão, investido de uma força incrível que o fazia se sentir um pouco como Deus. Passou o resto do dia pensando em como abordar Catarina, mas a idéia mais o divertia do que preocupava. Seria a coisa mais fácil do mundo convencê-la.
Na manhã seguinte, Arthur chegou atrasado na aula. Logo nesse dia, que queria chamar o mínimo de atenção possível, para pôr em marcha o seu plano. Passou pela fila de carteiras antes de chegar no seu lugar, bem no fundo, ouvindo risadinhas dos colegas e sentindo o olhar repreensivo da professora seguindo-o pela sala. Quando sentou, viu um papel dobrado sobre sua mesa.
"Queremo saber se você aceita beijar a Maitê. Responda no fim da aula. Se contar para alguém, vai se ver conosco. Ass. Carolzinha."


O coração de Arhtur estava no estômago. Sua visão embaçou. Releu o bilhete algumas vezes, para ter certeza de que não estava imaginando coisas. Começou a suar frio. É óbvio, Carolzinha, que não contaria para ninguém. Seu pior pesadelo era que alguém tivesse lido aquele bilhete antes de ele chegar. Alguém que certamente tornaria público aquele convite, que ele em hipótese alguma poderia recusar, mas que fatalmente o transformaria em alvo de piadas e humilhações, quando Maitê espalhasse para todo o colégio que Arhtur não sabia beijar.
Procurou ao redor o olhar curioso ou debochado de uma possível testemunha, mas todos pareciam distraídos com o chocalho da pulseira da professora passando o gabarito da prova no quadro. Estava incólume, por enquanto.


Foram as horas mais angustiantes da sua jovem vida. Sabia que não tinha escapatória, teria que dar uma resposta à Carolzinha. Sabia também que, se recusasse, poderia estar jogando fora a sua chance mais preciosa. Mal podia acreditar que Maitê queria beijá-lo. Ela queria. Isso era de uma magnitude, lhe causava uma felicidade quase insuportável. E justamente por isso não perdoaria a si mesmo se fugisse. Precisava responder que sim. Cogitou a possibilidade de adiar o evento o máximo possível, para ganhar tempo e então se preparar. Quando soou a campainha, todos deixaram a sala, inclusive Maitê, Raquel e Carolzinha. Estariam elas esperando por ele, todas juntas, na entrada do colégio? Teria que falar na frente de Maitê? Ou pior, teria que beijá-la em público? Arthur estava sendo torturado por suas próprias perguntas.
Quando estava descendo as escadas, aquela metralhadora ruiva parou na sua frente. Estava sozinha, graças a Deus! Sua expressão até que parecia mais suave, talvez até estivesse um pouco intimidada, e pela primeira vez Arthur a ouviu falar com uma entonação simpática.
--Então, o que me diz?
--Pode ser. -- Arthur escutou o eco de si mesmo repetindo aquela frase, como se viesse de dentro de um sonho.
--Ótimo. Amanhã, no recreio, ela vai estar atrás da árvore no pátio.
Carolzinha mal terminou de falar e saiu saltitando, como se ela própria fosse beijar alguém. Não houve chance de negociação. Era no dia seguinte, na hora do recreio. Nenhum minuto depois. Ela estaria lá. Maitê, com seus olhos encantadores e sua boca de framboesa, esperando um beijo seu. Aquela imagem era mais extasiante do que qualquer figurinha da sua coleção. Era simplesmente bom demais para ser verdade. O deixava em pânico, com os pensamentos embaralhados, o coração acelerado, lhe dava um verdadeiro nó nas tripas.
Arthur passou a noite vomitando, e na manhã seguinte sua mãe chamou um médico. Não foi detectado nenhum mal, mas por via das dúvidas, acharam melhor antecipar suas férias. As provas já haviam terminado mesmo, e repouso iria lhe fazer bem. Na volta às aulas, Arthur ficou sabendo que Maitê tinha mudado de colégio.
Nunca mais, em dez anos, ele a vira de novo. Agora estava em choque. Aquela mulher gorda, com os cabelos alisados e sem viço, os olhos fundos e opacos escondidos no rosto macilento e precocemente marcado, estampado de exaustão e falta de alegria de viver. Aquele porte desleixado, quase grosseiro, não podia ser de Maitê. Não da sua Maitê.
Sentiu um desconforto pelas realidades conflitantes que se impunham simultaneamente. Era ela. Ou o que restou daquela figura graciosa e resplandescente guardada por tanto tempo em sua memória.
Arthur nunca chegou a saber mas, naquela manhã, na hora do recreio, Maitê chorou escondida atrás da árvore do pátio. Naquele verão seu pai a abandonou com a mãe e foi viver em outro país com a amante.

sábado, 7 de junho de 2008

Meu Querido Diário

"04/01/88
Eu era muito estranha. Pensava em coisas muito diferentes, por esemplo, pensava em magias e poderes mágicos. Fingia que acreditava em tudo. Até que cheguei a uma conclusão:
Vou ser uma criança comum pois não gostei deste tipo de vida. Eu acho que minha vida precisa ser comum. Desde os seis anos eu vivo assim e agora já tenho sete. Além disso sou uma pessoa muito delicada. Não sei por que qualquer coisa choro. Tenho medo de muitas coisas sem rasão. Sigunda-feira dia 28 de dezembro de 1987 eu fui pra casa do meu pai. Ele se separou da minha mãe e foi morar em uma casa no meio do mato. Depois minha mãe foi conheser o lugar, porque eu moro com ela. Ela ia embora e o meu irmão queria ir embora junto com ela. Eu fiquei muito confusa e aborrecida porque eu não gostava de fazer novas amizades por lá e se ele fosse embora eu ia ficar com vontade de ir. Tentei convenselo mas não concegui e acabei indo e eu me arrependi muito. Mas mamãe disse que vamos tentar voltar lá o mais rápido posível, pois é muito longe Santa Catarina.
20/04/88
Hoje é o segundo dia que eu já vou e volto para o colégio sozinha porque eu ganhei a chave de casa. Tenho oito anos e meu irmão vai fazer aniversário depois de amanhã. Minha coleção de papel de carta está cheia de pastas mas vou guardar aqui este que o meu padrinho me deu é lá dos Estados Unidos e ele escreveu pra mim. Faz algum tempinho que eu ganhei um hamster angora. Parece um esquilo.
01/06/88
Eu sou mesmo boba, colar figurinha da Xuxa no meu diário. Acho que fica feio. Mas deixa isso pra lá. Todos estes dias que deixei de escrever foram porque eu perdi a minha chave. Agora acabei de recuperala. Eu tenho quatro chaves: a do Diário, a do cadiado, a do portão e a da casa. Mas é da casa da minha vó. É porque eu volto sozinha para casa, e na minha casa não tem ninguém, por isso eu volto só da escola para a casa da minha vó. Hoje é segunda-feira e na sexta-feira passada teve uma festa junina no meu colégio e eu tinha que ir vestida de prenda, mas como eu não tinha vestido eu não pude ir. Mas minha mãe prometeu que domingo que vem ela vai fazer outra festa.
18/07/88
Hoje eu achei a minha carteira que eu tinha perdido a horas e dentro tinha um dólar e cinquenta crusados. Estou de férias, mas só fui saber quando eu cheguei no meu colégio, porque ele estava vazio, não havia ninguém. Ninguém em lugar nenhum. A sala dos professores, vazia, a cecretaria vazia. As salas de aula sem ninguém. A minha mãe conversou comigo e me disse que todo mundo que chega aos seis anos a gente se sente diferente das outras crianças mas todo mundo é igual. Eu tenho uma pisiquiatra. Mas eu não gosto de falar nada pra ela. Eu não gosto de pisiquiatra, não é que eu não goste dela."

terça-feira, 3 de junho de 2008

empty shell

Days like this, I don't know what to do with myself
All day -- and all night
I wander the halls along the walls and under my breath
I say to myselfI need fuel -- to take flight --
And there's too much going on
But it's calm under the waves, in the blue of my oblivion
Under the waves in the blue of my oblivion
Is that why they call me a sullen girl
They don't know I used to sail the deep and tranquil sea
But they washed my shore and they took my perl
And left and empty shell of me
And there's too much going on
But it's clam under the waves, in the blue of my oblivion
(Fiona Apple)

sexta-feira, 23 de maio de 2008

Quero te enxergar, mas as vezes só vejo a mim mesma. Quero realizar coisas, mas minha confusão me paralisa. Há um muro de névoa espessa ao meu redor, ele esteve aqui desde sempre. Não foi feitiço nem castigo, eu mesma o construí. Achava que me protegeria do mundo.

a besta

Percebo uma diferença entre a tristeza que costumo sentir e esta que agora me acomete. Por não ser comum, por não apontar para os mesmos velhos calos que me dóem, por estar acima dessa, como que acompanhada de uma nova descoberta. Antes de olhar para mim, observo o que está lá fora. Meu entorno, meus semelhantes. As pessoas passam suas vidas sofrendo exatamente pelos mesmos problemas. Podem mudar um pouco a roupagem, mas não se modificam em sua essência. É a compulsão a repetir sempre o mesmo caminho, o caminho da dor já trilhado. Quando o acaso produz o encontro entre pessoas que podem fazer a diferença na vida uma da outra, o vício se encarrega de criar atritos entre elas, para que jamais continuem unidas, para que não corram o terrível risco de colherem frutos dessa renovação, dessa lucidez. Para que possam permanecer exatamente iguais e jamais aprendam com a experiência. É disto que trata a mágoa que agora sinto: do meu vício, meu pior inimigo. Imagino que alguns afortunados consigam dominá-lo mais cedo, por sorte, por mérito. Ocorre que, depois de um certo tempo, se não é vencido, é ele quem me vence. Este animal sorrateiro, silencioso, sempre pronto a destilar seu veneno na minha esperança. Terei eu a chance de superá-lo um dia? Hoje penso que não, mas quem sabe amanhã acorde mais otimista.




















quarta-feira, 21 de maio de 2008

livre devaneio metapsicológico

Estar vivo é uma inundação de estímulos, a experiência é avassaladora e precisa ser escoada de nossas almas para que não transborde. Uma das maneiras mais conhecidas de fazer este escoamento é vertendo lágrimas, mas sobretudo aquelas lágrimas que estão impregnadas de sentimento, idependente da sua qualidade. O sofrimento, aqui tomado no sentido de sujeição à experiência, pode ser de alegria ou tristeza, espanto ou comoção, etc.. Em alguns casos obstrui-se o aparelho escoadouro na tentativa de protegê-lo do sofrimento, quando sofrer se iguala a admitir quantidades insuportáveis de estímulos, incompatível com a capacidade receptora. Negar-se o alívio logrado pela dor é tambem vetar os caminhos que conduzem às sensações prazerosas. Tem, portanto, muito mais serventia uma dor genuína, sentida em toda sua intensidade, que um contentamento forjado na tentativa de represar o transbordamento de emoções. A descarga do sofrimento é relativamente simples de se executar, quando admitida. Isto porque o caminho da dor é universalmente conhecido e já trilhado por todos os seres vivos, a começar pela dor de vir ao mundo. Trilhar este caminho já aberto é deslizar por uma corredeira onde quase não há obstáculos ou atritos, é líquido e veloz. Mas por sua falta de complexidade, também desperdiça por vezes muito da carga efervescente de emoção que, sob formas mais sofisticadas de escoamento, poderia ser aproveitada com maior economia e produtividade. Por exemplo: tente utilizar este caldo borbulhante e poderoso como combustível para um pensamento, e verá o tamanho do potencial gerador de novas idéias carregadas pela experiência, que por sua vez estendem-se em milhares de outras derivadas. Pensamentos são artigos de luxo, constructos elaborados, que servem ao nosso deleite. Eles dão forma à essa massa, continente à essa turbulência desenfreada que nos atravessa, e nos permite experimentá-la em quantidades controladas, degustada em pequenos frascos, em um ritmo adequado à nossa necessidade de digestão, enquanto a dor apenas (!) nos permite livrarmo-nos dessa turbulência para que não nos arrebate. Os pensamentos nem sempre atingem a excelência da dor em termos de eficiência de descarga. Ao invés de deslizar livremente, a energia fica retida aqui e alí, nas pedras do caminho, e é precisamente nisto que reside a possibilidade de utilizá-la. A dor tudo justifica. Ninguém se atreve a discutí-la. Os pensamentos, por sua vez, já nascem incompletos, e por isto sua tendência natural a se reproduzirem, gerando adendos, apêndices e complementos que jamais dão conta de fechar uma questão.

*Escrito em guardanapo de bar em alguma noite de 2005

sábado, 10 de maio de 2008

ego suum

Você compreende, as vezes me sinto um tanto deslocada.

sábado, 19 de abril de 2008

doce embriaguez

"Os olhos no teto, a nudez dentro do quarto; róseo, azul ou violáceo, o quarto é inviolável; o quarto é individual, é um mundo, quarto catedral, onde, nos intervalos da angústia, se colhe, de um áspero caule, na palma da mão, a rosa branca do desespero, pois entre os objetos que o quarto consagra estão primeiro os objetos do corpo."
(Raduan Nassar)

sexta-feira, 18 de abril de 2008

segunda-feira, 14 de abril de 2008

longeperto

Perco-te por instantes, não como um abandono irremediável, mas um perder mais sutil, de quem perde o foco. Experimento-te distante, somente na medida de te ver mais e melhor, para então tornar a mergulhar cega em tuas partes especulares. Aceito perder-te para poder reencontrar-te verdadeiramente a cada vez e saber que, quando te perder para sempre, será porque um dia fui tua.

quinta-feira, 10 de abril de 2008

feitiço de aquila

Do impossível para o apenas difícil há uma evolução...

terça-feira, 8 de abril de 2008

AMOR E FINANÇAS

"Ao ver Mirabelle se afastar, Ray sentiu uma perda. Como é possível, pensou ele, sofrer por uma mulher que manteve à distância justamente para não sentir falta dela quando fosse embora? Só então percebeu o quanto querer só uma parte dela fez os dois sofrerem. E como não poderia justificar seus atos, exceto por, bem... A vida é assim". (Trechos do filme Garota da Vitrine)
"As pessoas têm tanto medo de perder que elas perdem." (Trecho do livro Pai Rico, Pai Pobre - o que os ricos ensinam a seus filhos sobre dinheiro)

terça-feira, 25 de março de 2008

"eu gosto...

... de você com uma força bruta que não entendo bem." (Zeca Baleiro)

quinta-feira, 20 de março de 2008

fora ou dentro do círculo (uma réplica)

Todo amor é condicional, mas nem toda a concessão é submissão. O quanto posso suportar não ser amada em nome de manter aquilo que aos olhos do outro são defeitos? Talvez a resposta esteja próxima de diferenciar amor de idolatria. Se preciso de um amante, posso agradá-lo parcialmente. Se preciso de um fã devoto, não me permito ser nada menos que perfeitamente moldada pelo seu ideal. Quem se ama não precisa de fãs, quem se conhece não depende de espelhos. Mas quem é tão seguro, afinal?

blues

que murmúrio mais sombrio
que olhos mais vazios
que frio nessa ausência de alento
que agonia muda e constante
de treva acobertada de brilho
de um eu que triunfa sobre outro eu
que quer apenas
ser.

quarta-feira, 12 de março de 2008

rio sem fim (fernando pessoa)

Entre o sono e sonho,
Entre mim e o que em mim
É o quem eu me suponho
Corre um rio sem fim.
Passou por outras margens,
Diversas mais além,
Naquelas várias viagens
Que todo o rio tem.
Chegou onde hoje habito
A casa que hoje sou.
Passa, se eu me medito;
Se desperto, passou.
E quem me sinto e morre
No que me liga a mim
Dorme onde o rio corre -
Esse rio sem fim.

segunda-feira, 10 de março de 2008

os três estágios da liberdade

1. não ser livre
2. ser livre
3. ser livre para...

terça-feira, 4 de março de 2008

gente grande

Poucas coisas tornam alguém tão irresistível quanto a capacidade de observar uma sutileza, de fazer uma piada, de valorizar as coisas simples e de enxergar para além do próprio espelho.

sexta-feira, 29 de fevereiro de 2008

morro de saudade

Morro de São Paulo, BA.
Ao chegar, o poder do encantamento é ainda uma insinuação, uma brisa leve que se inspira ingenuamente com o ar e a maresia. É lenta e sorrateiramente que vai ganhando densidade e ocupando espaços desavisados em nossas mentes. As reações que produz não são de imediato percebidas e se confundem com o prazer frugal de andar com os pés afundando na areia e o ecoar das notas desencontradas de mil músicas tocadas morro acima, morro abaixo...
Por uma única rua se anda, sempre, só em dois sentidos, mas com algum tempo se descobre em quantas passagens, por quantos sentidos se pode andar através dela. No começo, blocos de vitrines sem apelo, restaurantes, um bar, vitrines, quinquilharias, outro bar, via de passagem, meio para alcançar um destino. Uma mudança qualquer na atmosfera, um sopro que vem não se sabe ao certo de que lugar no morro, e então a rua é animada pela história de cada canto do caminho que nela se fez. Como se uma luz incidisse, não sobre a rua inteira, mas aos poucos, em cada parte, preenchendo-a das conversas e devaneios de toda a gente, num burburinho vivo e sonoro.
Quem se abanca junto ao antigo Casarão e fica alí, imóvel, vendo brincar crianças tão pequenas que podiam ser elas mesmas de brinquedo, passar viajantes do mundo todo e suas mochilas abarrotadas, as vezes presas às costas e outras em carriolas que se chamam "táxi", sabe que a praça é a mesma, de dia e de noite. Mas conforme o sol vai se apagando no horizonte e a lua tomando seu posto, surge uma outra praça, totalmente nova. As equilibristas de trouxa na cabeça dão lugar aos malabaristas de tochas de fogo e palhaços poliglotas.
Eis o lugar em que todos, mesmo que por um único instante, se deparam com o real da diversidade: há mais de uma língua, mais de um universo em que viver, mais de uma maneira de existir e de uma alma falar. Violento como a arrebentação das ondas na formação de corais, a revelação as vezes é disfarçada de marola mansa. Há tantas líguas, e quando se falam todas, não se fala nenhuma. Para qualquer direção em que se olhe, seja para o azul perturbador estendido sobre o farol ou para as águas cristalinas em toda a orla, para a arquitetura perfeita do encontro das areias com o mar ou a paleta inteira de cores generosamente distribuídas na paisagem do morro, há uma beleza esmagadora, inevitável, que impõe a todos certo estado de espírito homogênio, certa hipnose estética, que faz crer que podemos nos entender sem palavras. Esta terra pariu uma língua híbrida, assassinando uma concordância verbal aqui, mutilando morfologias acolá... Do despojamento de toda a complexidade da liguagem, adornado com gracejos e seduções baratas, resulta um arremedo de idioma, que falamos rindo, inebriados por sua exuberância.
fev/2006.

quinta-feira, 28 de fevereiro de 2008

Le Mont Saint Michel

Me perdi de paixão por um lugar em que nunca estive (será que não estive?).
Há algo de irreversível em se apaixonar por lugares, assim, dessa maneira febril. É uma espécie de deslumbramento que se perpetua na alma. Porque as pessoas por quem nos apaixonamos sobrevivem à ilusão e nos provam que são imperfeitas com o passar do tempo e da intimidade, enquanto que os lugares só parecem ficar cada vez mais idealizados ao acumularem histórias e ecos do passado.

quarta-feira, 13 de fevereiro de 2008

frase para cartão postal

A felicidade está precisamente onde não a procuramos, como um tesouro perdido que só se encontra ao deixarmos de tentar seguir o mapa.

quinta-feira, 31 de janeiro de 2008

once upon a time...

...uma menina que sonhava com mil histórias, e queria contá-las para o mundo. Um dia ela descobriu que só conseguiria escrevê-las quando tivesse coragem de escrever sua própria história, aquela que nunca ninguém lhe contou. Mas tinha medo de não saber dizer-se, de ser inexata ou infiel consigo, ou até de perder-se naquela descrição de sua fantasia, confundindo-se com suas palavras e tornando-se aquilo que escrevesse. Também não sabia onde era o começo da história, já que no começo ela era tão pequena que não entendia nada, nem sabia que tinha começado. E sentia calafrios de pensar que a história devia ter um fim. Achava que a única forma de evitá-lo seria continuar escrevendo eternamente, sem nunca poder parar, mas isto também daria uma canseira danada. Podia acontecer de falhar sua memória, esquecer-se de alguma parte importante, e se esquecesse, como saberia então que era importante? A menina, afinal, resolveu pedir ajuda. Juntou sua trouxa e pôs-se a refazer os caminhos por onde passara, pedindo a cada pedra, cada arbusto, cada buraco da estrada, que lhe contasse como a havia conhecido, procurando cada espelho para saber o que havia dela refletido. E quanto mais respostas encontrava, mais percebia que nenhuma encaixava com a outra, como num quebra-cabeça. Entendeu que seria preciso muitas histórias para contar o que se passa com uma pessoa só. E então seus olhos ficaram ensolarados, sua cabeça cheia de pássaros, e ela se sentiu possuidora do tesouro mais valioso do mundo: a incrível liberdade de ser imperfeita.

segunda-feira, 21 de janeiro de 2008

presságio

Sinto que a inspiração está chegando, paulatinamente, e querendo se demorar.

terça-feira, 15 de janeiro de 2008

devaneios de zeca baleiro

é mais fácil cultuar os mortos que os vivos
mais fácil viver de sombras que de sóis
é mais fácil mimeografar o passado
que imprimir o futuro
não quero ser triste
como o poeta que envelhece
lendo maiakóvski na loja de conveniência
não quero ser alegre
como o cão que sai a passear com o seu dono alegre
sob o sol de domingo
nem quero ser estanque
como quem constrói estradas e não anda
quero no escuro
como um cego tatear estrelas distraídas
amoras silvestres no passeio público
amores secretos debaixo dos guarda-chuvas
tempestades que não param
pára-raios quem não tem
mesmo que não venha o trem não posso parar
vejo o mundo passar como passa
uma escola de samba que atravessa
pergunto onde estão teus tamborins
sentado na porta de minha casa
a mesma e única casa
a casa onde eu sempre morei
a casa onde eu sempre morei

domingo, 6 de janeiro de 2008

alicerce

"Até cortar os próprios defeitos pode ser perigoso. Nunca se sabe qual é o defeito que sustenta nosso edifício inteiro."
(Clarice Lispector)