sábado, 15 de dezembro de 2007

perigo iminente

Há dias em que me sinto prestes a espirrar, segurando uma xícara cheia de café quente.

segunda-feira, 10 de dezembro de 2007

quase outro

Estou. Nada me é conhecido, apenas sinto a presença do mundo. Não ao meu redor, pois não conheço os meus limites para definir o entorno, mas a presença do mundo em mim. O número de possibilidades para o que irei me tornar é infinito, mas o infinito é deveras imenso para ser pensado, além do que ainda não sei o que é pensar. Consigo diferenciar pequenas variações de ritmo e freqüência de um palpitar, e algo frio que me percorre e depois me abandona. Um dia aprenderei que isto são meus batimentos cardíacos e o ar que circula por meus pulmões. As vezes é dolorido, e então, quando cessa a dor, é agradável. Começo um exercício de controle para poder experimentar de novo a sensação.
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É um calor e uma umidade que se misturam com algo mais, não sei dizer. Parece com quando inspiro o ar, mas tem uma consistência diferente, e parece também ser uma área diferente que me afeta.
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Estou me alimentando, e o líquido que chega ao meu estômago me aquece e conforta, ao mesmo tempo em que agonizo com a quantidade excessiva que as vezes me faz engasgar. Quando a agonia cessa, tenho alívio. Mas dessa vez foi um pouco melhor do que alívio, pois suportei uma aflição por segundos a mais, e então, quando pude livrar-me dela, foi bom. Foi bom... Vou tentar repetir isto, mas farei com que seja ainda mais prazeroso. Quanto mais tempo espero para descarregar essa intensidade, mais prazer tenho na descarga, seja lá o que for isto... Eis minha razão de viver. Dá um pouco de trabalho, mas acho que vale a pena.
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Entretanto, esta manhã estive tentando fazer aquilo de novo, mas por algum motivo não funcionou. Suportei a fome por tanto tempo que, quando finalmente fiz surgir o alimento, já estava sem vontade. Na verdade não queria ingerir isto agora, por que está aqui em minha boca? Fecho-me e faço tudo desaparecer. Contraio a mandíbula, contraio-me tanto quanto posso, mas continua lá, fora da hora do meu desejo. É algo que posso sentir em minha pele, algo que posso inalar, ver, escutar. Começo a desconfiar de algo terrível e realmente assustador...
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Eu sou certeza, nunca sou dúvida. Mesmo sem saber o que significam tais conceitos. Sou assim porque nada me falta. Mas aquela desconfiança... É como uma coceira. É uma quase percepção - quase, porque já a tive, mas não completamente, e ela me assombra de tal forma que prefiro pensar que não a tive: Haverá algo aqui que não esteja sob meu domínio? Alguma força que não se produza pela minha vontade e ação espontânea? Haverá em mim, que sou o próprio universo, algo que seja um não-eu, um... Outro?

domingo, 9 de dezembro de 2007

Tarântulas - um conto do Mestre Juarez Guedes Cruz

- O senhor acredita, Meretíssimo, que uma frase pode destruir a vida de um homem? Pois eu acredito e adianto que isso aconteceu comigo. Eu vivia de uma pensão desde os meus trinta e cinco anos, por causa do acidente que deixou essa mão esfacelada e o rosto deformado, como o senhor pode ver. Tornei-me um sujeito solitário. Passava quase todo o tempo nos cinemas, mais para me esconder do dia e das pessoas. E em livrarias, nos sebos principalmente. Buscava algo que desse um rumo para a existência. Procurava textos de religião ou do tipo ajuda-te a ti mesmo. Em fevereiro do ano passado, folheando livros ao acaso, encontrei um volume de contos eróticos. O azar é que abri em uma página onde havia um conto de uma só frase, intitulado Carícia perfeita. Foi escrito por uma jornalista cujo nome não recordo... o sobrenome era Shua. Pois ela teve a capacidade de escrever assim: Não há carícia mais perfeita do que o leve roçar de uma mão de oito dedos, afirmam aqueles que, ao invés de escolher uma mulher, optam por entrar, sós e nus, no Quarto das Aranhas. Quando terminei de ler essas palavras, senti um soco na barriga e elas não me saíram mais do pensamento. Eu me via na situação que a desgraçada inventou, sei lá de que jeito, na cabeça dela. Imaginava-me nu, entrando em um quarto escuro, sabendo que, lá dentro, estavam as aranhas. Aí eu me deitava - tudo isso na minha imaginação, Meretíssimo -, me deitava e elas começavam a caminhar por cima do meu corpo. Sentia cócegas, aquele roçar das patas na pele. Pensava que uma delas poderia me envenenar e imaginar tal coisa era muito excitante. Eu gozava sem ter que me tocar. O problema é que essa visão não me largou mais e me desinteressei por sexo normal. Normal? Isso de um homem e uma mulher fazendo aquelas coisas que, perdoe a intromissão, o Meretíssimo deve fazer com sua esposa. Porque não acredito que na cabeça do Meretíssimo e de sua senhora passem idéias parecidas com as que andam pela minha cabeça. Comecei a me assustar comigo mesmo e procurei um médico. Na consulta, ele me mostrou o livro de um cientista alemão, Krafft-Ebing, sobre perversões sexuais. Falava de coisas tão horríveis que sua primeira edição teve que ser em latim, para que só os doutores pudessem ler. Isso porque, imagino, a cabeça dos doutores não deve, ou pelo menos não deveria, ser influenciada por essas baixezas. Mas saber desse livro não adiantou nada. Tem duzentos e trinta e oito casos de taras de tudo que é tipo mas em nenhum aparece isso de o sujeito ficar se imaginando acariciado por aranhas. E mais raiva me deu da mulherzinha que pensou logo uma coisa assim. E me fez pensar, eu que toda vida fui um cara supernormal e direito. Dei, então, de ver filmes como O colecionador, Ata-me, Estranha obsessão e outros do gênero. No início, achava que era para me satisfazer com as cenas. Ficava me enxergando trancado com uma mulher que, ao mesmo tempo, me desejasse e odiasse. Inventava que o quarto estava cheio de facas e eu ali, sem saber se ela iria me amar ou matar. Então, Meretíssimo, começou a acontecer aquilo que me apavorou: pensei em seqüestrar uma mulher e fechá-la em uma peça escura. Depois entrar alí, só e nu, e me deitar perto dela, sabendo-a revoltada comigo. Só então compreendi: os filmes serviam para organizar melhor meu plano. Por isso estou aqui: para pedir que não permita uma loucura dessas. Sinto-me mais um animal, desses loucos furiosos, do que um ser humano. E o melhor é eu ficar trancafiado numa cela. Para quem tem pensamentos como os meus, Excelência, a cabeça já é uma cela. Só não me mande para um lugar escuro e pequeno, porque aí eu fico com medo das aranhas que aquela infeliz imaginou para enlouquecer minha cabeça. Eu lhe peço, Meretíssimo, me condene e me vigie. Antes que eu magoe alguém. E não se preocupe: eu só tranquei sua mulher e sua filha no banheiro para que a gente pudesse conversar em paz. Agora que o senhor me ouviu, pode soltá-las e até ficar com o revólver. Mas, por favor, não fique me olhando assim, com esses múltiplos olhos de Juiz. Tenha piedade, Meretíssimo, não me toque com essa sua pata enorme. Peluda.

quinta-feira, 6 de dezembro de 2007

crianças

- Mamãe, Deus fez a gente com as frestas dos olhos prá gente poder espiar o lado de fora, mas como se faz prá olhar prá dentro?