terça-feira, 18 de setembro de 2007

para quê servem as palavras

Começou com um pequeno lapso de memória. Estava no hall do edifício, falando para a vizinha de minhas impressões a respeito da reunião de condomínio, procurando absolvê-la da culpa por não ter participado (tenho essa mania de me preocupar com os outros). Quis explicar-lhe que tudo já havia sido solucionado, pequenos problemas como o vazamento da garagem e as faixas sinalizadoras nos degraus das escadas, destinados a evitar acidentes, como o que ocorrera com um dos condôminos idosos na semana anterior. Mas sobretudo, quis emitir uma opinião muito íntima, quase confessional, quis adjetivar a experiência que eu tivera, e sabia exatamente o termo a ser usado para isto e, no entanto, não consegui lembrá-lo. A falha obrigou-me a interromper meu entusiasmado relato com um silêncio hesitante, que em poucos instantes se tornou incômodo. Fiz então uma patética tentativa de iniciar uma frase, mas titubeei na primeira sílaba. Esforcei-me tremendamente para encontrar qualquer palavra que me salvasse daquela situação constrangedoramente estúpida. -Ãh... ãh... eh… Fracasso. Despedi-me da vizinha com um meneio de cabeça, o melhor que pude fazer, e caminhei em linha reta até o elevador. Um pé diante do outro, em um ritmo normal, para não comprometer ainda mais minha imagem, já abalada por aquela conversa absurda e inconclusiva. Afinal não quis parecer doida. Mas por dentro queria correr, zarpar para dentro do elevador, sair de cena o mais rápido possível, preocupada em não ser flagrada por mais ninguém naquele momento em que sentia-me impelida a agir de modo tão estranho. Subi o primeiro, segundo, terceiro andar... Fiquei a acompanhar a passagem dos andares pela pequena abertura na porta do cubículo. Faltavam apenas dois andares para o oitavo, e então estaria livre. Mas no sexto andar, senti o elevador demorar-se, até que a porta se abriu. - Desce? – perguntou o rapazinho com óculos de fundo-de-garrafa, com a voz desafinada de adolescente. Desce... Desce... Aquela palavra rodopiava, saltitava, sibilava em minha mente, como uma entidade totalmente independente de um sentido, era quase um animalzinho sonoro, arredio e impossível de ser capturado em um contexto. O rapaz continuava parado diante da porta, na expectativa de uma resposta bastante simples, monossilábica, inclusive. Reunindo todas as minhas forças, já sentindo o suor brotando na testa, inspirei profundamente e respondi: - Não... Dando de ombros, a criaturinha franzina e desengonçada entrou assim mesmo naquela cabine hermética e achou por bem acompanhar-me em minha subida, para então apertar o botão do térreo. Invadiu-me um medo terrível de que me fizesse outra pergunta, ou que simplesmente se dirigisse a mim, e que a maldição se repetisse. Tentei pensar em outra definição para o que estava me acontecendo, mas só havia uma possível: estava perdendo as palavras. Não se tratava de fuga de idéias, pois meu raciocínio estava perfeito. Mas a maneira como ele agora operava era no nível mais concreto das imagens e sensações. Diante de qualquer tentativa de articulação verbal, as palavras rapidamente se embaralhavam em neologismos, verdadeiros arremedos de verbo. Meus Deus, onde isto vai parar?

Um comentário:

Michele Colombo disse...

Gabi, Gabeda!
Voce nem imagina o quanto esta situacao eh comum para mim...
Quando as palavras somem consigo ouvir as engrenagens da minha mente estalando... E algumas roldanas que nao se encaixam fazendo forca para girar =)
Ameei seu blog!
:-***